em floripa uns amigos me levaram para um passeio de barco. algumas pessoas sentem tontura em alto-mar.
precisam segurar a mão de alguém para consegui olhar as ondas no mar ou algum
pedacinho de peixe. eu não senti tontura durante o passeio, mas me sinto perto
de dessas pessoas.
há poucos dias terminei
de ler um livro sobre a situação atual da física teórica. uma ideia em especial
chamou muito a minha atenção: a mecânica quântica nos ensinou a pensar as
coisas, em nível elementar, não como elas são, mas sim como elas acontecem,
como elas influem uma sobre as outras. as coisas, em nível microscópio,
só existes quando saltam de uma interação para outra. ou seja, o mundo das
coisas existentes foi reduzido ao mundo das interações possíveis e, por isso,
devemos pensar o mundo não como uma totalidade de objetos que estão neste ou
naquele estado, e sim como processos, passagens de uma interação a outra, que
não podem ser previstas de maneira absoluta, mas apenas de modo probabilístico.
vivemos sobre esse mundo
desordenado como se fosse como se fosse firme, seguro e, principalmente,
eterno. planejamos o que vamos fazer no próximo final de semana, no mês
seguinte, daqui a um ano, quando formos adultos, quando ficarmos velhos, etc.
procuramos estabilidade de muitas maneiras: no emprego concursado, no amor para
sempre, no apartamento próprio, na assinatura da tv a cabo, na grana guardada
na poupança. mas às vezes ficamos um pouco chapados, bebemos até pegar no sono ou metemos
para dentro alguma substância que faça o estável ficar levemente abalado por
alguns instantes. caminhar sobre o chão indeterminado e olhar para o mar vertiginoso
não deveria ser o bastante?
tudo bem, eu entendo. a instabilidade constante deve ser incômoda e não interessa muita gente,
principalmente aqueles que lucram com a estabilidade alheia. mas a noite pode
precipitar sobre nossas cabeças, nosso barquinho pode perder o rumo e ainda
assim há lugares no mundo em que nos sentimos mais leves, mais soltos, mais à deriva. isso não conta? lembro que quando eu era criança gostava de girar,
girar, girar, repetidamente, para sentir o barato da tontura. tem que ser meio
criança ou meio físico quântico para sentir essa vertigem na vida?
cada vez que eu tenho
algum desespero ou uma profunda tristeza – o que tem sido cada vez mais
constante – me apego a ideia de que de nada adianta sofrer se de um segundo
para outro tudo pode mudar e até desaparecer, sem que ao menos tenhamos tempo de ter
consciência disso.
eu não senti tontura
quando naveguei e olhei para o mar. mas acho que trago comigo esse sentido
estranho de instabilidade. essa tontura, essa necessidade de ter que segurar a
mão de alguém para enfrentar o desconhecido. hoje, pensando no mar e na física
quântica, nos passeios de barco e no mundo como uma sucessão de eventos
quânticos granulares e indeterminados, me pergunto se, mesmo quem enjoa em
alto-mar, não gosta, de vez em quando, de olhar para as ondas em permanente
fuga debaixo de nosso barco.