sábado, 12 de janeiro de 2019

tontura


em floripa uns amigos me levaram para um passeio de barco. algumas pessoas sentem tontura em alto-mar. precisam segurar a mão de alguém para consegui olhar as ondas no mar ou algum pedacinho de peixe. eu não senti tontura durante o passeio, mas me sinto perto de dessas pessoas. 

há poucos dias terminei de ler um livro sobre a situação atual da física teórica. uma ideia em especial chamou muito a minha atenção: a mecânica quântica nos ensinou a pensar as coisas, em nível elementar, não como elas são, mas sim como elas acontecem, como elas influem uma sobre as outras.  as coisas, em nível microscópio, só existes quando saltam de uma interação para outra. ou seja, o mundo das coisas existentes foi reduzido ao mundo das interações possíveis e, por isso, devemos pensar o mundo não como uma totalidade de objetos que estão neste ou naquele estado, e sim como processos, passagens de uma interação a outra, que não podem ser previstas de maneira absoluta, mas apenas de modo probabilístico.

vivemos sobre esse mundo desordenado como se fosse como se fosse firme, seguro e, principalmente, eterno. planejamos o que vamos fazer no próximo final de semana, no mês seguinte, daqui a um ano, quando formos adultos, quando ficarmos velhos, etc. procuramos estabilidade de muitas maneiras: no emprego concursado, no amor para sempre, no apartamento próprio, na assinatura da tv a cabo, na grana guardada na poupança. mas às vezes ficamos um pouco chapados, bebemos até pegar no sono ou metemos para dentro alguma substância que faça o estável ficar levemente abalado por alguns instantes. caminhar sobre o chão indeterminado e olhar para o mar vertiginoso não deveria ser o bastante?

tudo bem, eu entendo. a instabilidade constante deve ser incômoda e não interessa muita gente, principalmente aqueles que lucram com a estabilidade alheia. mas a noite pode precipitar sobre nossas cabeças, nosso barquinho pode perder o rumo e ainda assim há lugares no mundo em que nos sentimos mais leves, mais soltos, mais à deriva. isso não conta? lembro que quando eu era criança gostava de girar, girar, girar, repetidamente, para sentir o barato da tontura. tem que ser meio criança ou meio físico quântico para sentir essa vertigem na vida?

cada vez que eu tenho algum desespero ou uma profunda tristeza – o que tem sido cada vez mais constante – me apego a ideia de que de nada adianta sofrer se de um segundo para outro tudo pode mudar e até desaparecer, sem que ao menos tenhamos tempo de ter consciência disso.

eu não senti tontura quando naveguei e olhei para o mar. mas acho que trago comigo esse sentido estranho de instabilidade. essa tontura, essa necessidade de ter que segurar a mão de alguém para enfrentar o desconhecido. hoje, pensando no mar e na física quântica, nos passeios de barco e no mundo como uma sucessão de eventos quânticos granulares e indeterminados, me pergunto se, mesmo quem enjoa em alto-mar, não gosta, de vez em quando, de olhar para as ondas em permanente fuga debaixo de nosso barco.

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