terça-feira, 25 de junho de 2019

terça-feira

em heidegger o tempo não é pensando numa linearidade. a temporalidade é mais o horizonte de sentido do próprio ser. de tarde, a manhã pode parecer distante, mas nem por isso menos triste. a terça-feria deveria ser considerada o dia mais triste da semana, como são tristes as histórias de amor que acabam quando o amor ainda vive. nenhuma passagem de tempo pode mudar isso. a tristeza. a distância. o tempo. a terça-feira. que nada mude. que tudo se repita. que mesmo o amor mergulhe numa melancolia de terça-feira, até sumir na escuridão. 

há dias em que é noite sempre e sempre uma cortina dança ao vento. entre bebidas, palavras e cuidados. há um homem que escreve sobre o momento em que desentendeu o mundo. que se sente um pequeno barco à deriva. há alguma coisa que eu vejo quando a tristeza me toma. quando estendo as mãos no ar morno da noite escura. uma noite que me abre com punhaladas na pele. e alguma coisa me diz que há algo que não estou vendo. cegueira minha. a noite também é minha. serei quem mata, serei quem morre. não importa. algo me diz: mantenha os pés no chão. e retroceda apenas quando for a hora. quando é a hora? não se perca. a noite não é de ninguém. não há noite. e as coisas que vejo sem vê-las? 

cada pessoa deve carregar em si o sonho de poder fugir do tempo. carrega o desejo de existir como quem guarda velhos livros num baú. como quem esconde fotos, anotações e pequenas joias. onde tudo permanece. mas nem sempre é possível se esconder. não há mais casa dos pais para voltar, nem lua sobre as árvores. nada de lareiras. nem fogão a lenha para se comer bem. nem crianças correndo brincando rindo. nem banhos no começo da noite. nada daquele lugar de pequenas e grandes cumplicidades. 

minha primeira lembrança foi ter me visto sozinho. a segunda, humano. tempos depois entendi porque a boca queima durante alguns beijos. já era tarde. a noite escura sem lua. beija-se com tudo nesse mundo. com os olhos, com as mãos, com as narinas. inclusive com a boca.  no entanto, sobra sempre isto: a solidão que não somos capazes de romper. 

é pelas coisas que perdi que sei aonde estou. minha filosofia tem sido apenas isso: perdas. e até onde elas me levaram. 


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