tem dias que, por mais que a gente tente, é impossível produzir. o café se perde servido na caneca, a roupa venta no varal, no livro somem as letras. faz frio. o mundo vai silenciando, como num final de festa. todas as vidas se parecem. o que antes era ponte entre uma vida e outra, agora é cerca de arame farpado, um fosso. a gente se sente cansado e entediado, imagina-se estrangeiro. não reconhece a língua, as roupas, as placas na rua, a comida, os jeitos de ser.
nesses dias, a maquiagem do mundo é desfeita, acaba a farsa. o ar entre e sai. nessas horas, parece que até o ar que gente respira é falso. trabalhar e escrever vai ter que ficar para outro dia. nada nos inspira. temos ideias e nada se sustenta. toda palavra sobra, e sentimos que nenhuma palavra basta. toda palavra é insuficiente, como se as coisas, os lugares e os sentimentos tivessem um nome desde sempre, e ninguém nunca sabe -- a gente diz muitos nomes para o ser, mas o nome dele mesmo, qual é? esse nome absoluto, essa palavra, é o que buscamos?
talvez, perder o chão seja parte da vida, como as águas do rio que precisam estar em movimento para não apodrecer. nestes dias, desisto de trabalhar. me levanto discretamente, vou até a porta da casa e me despeço do gato com um carinho. olho o céu sem nuvens e sinto o ar do inverno ficar mais leve. chamo algum amigo para beber no mesmo bar de sempre, alguém que também se deixou desproteger. a gente bebe pra tirar esse gosto amargo da boca. mas o amargo é por dentro da boca, por dentro de nós mesmos. quando mais bebemos para tirar o amargo da boca, mais em amargo nos tornamos.
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