bons livros de filosofia não são carícias. beijos suaves de um lado do rosto. carinhos nos cabelos com as pontas dos dedos. abraços sobre um banco no entardecer de outono. bons livros de filosofia são socos, bofetadas, cuspes. injetam veneno no sangue. carregam armas nas mãos ao invés de flores. engolem comprimidos, de madrugada, e vomitam sobre o chão do banheiro. ao invés do sussurro, preferem o grito. grandes obras filosóficas são como velhas despenteadas, locas de camisolas, bonecas sem cabeça. verdades filosóficas sobrevivem no escuro como insetos. como fungos, se reproduzem no mofo. algumas são plantas carnívoras, que se disfarçam de flores delicadas e comem teus dedos. um bom livro de filosofia deve terminar o nosso dia como tempestades. filósofos não escrevem para fazer afagos. seus textos têm pontas afiadas e o desejo do corte.
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
domingo, 17 de dezembro de 2017
quanto mais vai crescer a feriada? o corte que você abriu e não ficou para assoprar. a que tamanho chega um machucado sem curativo? aberto, exposto, abandonado. quanto mais pode crescer o rasgo que já foi minúsculo? a que tamanho chega um ferimento regado todos os dias, cultivado por alguém como se fosse flor?
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
tu não vale uma frase, um poema, um verso, uma rima. um letra para uma música cantada no silêncio. não vale. tu não vale a madrugada perdida, o acordar no sofá, a ressaca, o vômito. uma foto apagada, um diário queimado, os móveis quebrados. não vale. tu não vale o corte riscando o pulso, o punhado de comprimidos, as músicas tristes. a mão por horas sobre o celular, a espera, a vontade de conversar. não vale. tu não vale o soco na parede, as coisas jogadas no chão, o espelho trincado, o copo atirado. não vale. tu não vale o grito atravessando a cidade, o palavrão. não. tu não vale o tempo perdido, a teimosia da busca.
mas eu te procuro, ainda. escrevo frases, faço poemas, amanheço com febre. me jogo contra a parede, engulo comprimidos aos montes. eu vomito. tu nem sabe ou imagina. eu não apreendi. ainda faço tudo por alguém que não vale nada.
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
culpa
a culpa é minha. e apenas minha. eu te vi como mar, quanto não passava de uma gota, evaporando, caída sobre a calçada. por isso a culpa é toda minha. eu te escutei como música, quanto não passava de uma nota, tocada sozinha e sem querer na limpeza de um piano. eu te engoli como banquete, quanto não passava de uma migalha. eu te guardei como tesouro, trancada e protegida, quando tu não valia nada mais que centavo. moeda esquecida no fundo de uma bolsa. eu te coroei rainha, quando deveria ter te dado esmola e te sustentado com restos. eu te via gigante, quando, na verdade, poderia te esmagar, facilmente, com meu sapato. eu te sentia furação, quando tudo não passou de um sopro. por tudo isso a culpa é minha. só minha. a culpa é minha por insistir em achar que é única, quando o que mais há por ai são coisas idênticas a ti.
como vocês não viram eu me retorcer pela cama, tentando desvirar minha alma, tentando tirar do avesso? como vocês não viram? eu me esfregava pela cama, pelo colchão cheio de espumas, machucando minhas costas, deixando marcas vermelhas. Como vocês não me ouviram chorar? eu chorava, pedia num soluço para que me desintoxicassem por dentro, para que me lavassem com água e sabão. vocês podem não saber, mas eu me sentia sujo. como quem está cansado de caminhar na chuva, para em uma esquina qualquer, encosta em um poste, com as mãos no bosto e recebe a lama respingada pelos carros que passam sobre as poças, e de propósito encharcando seus sapatos, sua roupa, sujando seu rosto como o que escorreu da cidade imunda, com a água que lavou os telhados e as marquises. vocês não sentiram que eu tinha um gosto amargo na boca? nem isso vocês perceberam? um gosto ruim acumulado por tudo o que passou. não sentiram o meu cheiro? tinha algo apodrecido. nem sentiram minha testa quente e o suor de minha febre. pelo menos leram os bilhetes que letras tremidas que deixei pela casa? leram? ou meus pedidos de ajuda escrito com carvão pelas paredes? na porta da geladeira, as letras de imã formando socorro? vocês não sabiam que eu estava morrendo aos poucos?
essa morte lenta que me embrulha o estômago. uma vida insuportável que provoca vômito no meio da madrugada. suor frio na volta pra cama, pra dormir no máximo três horas. para amanhã viver tudo de novo. vocês nem poderiam perceber. eu tranquei as portas para morrer sozinho no terceiro andar. fechei com tijolos as janelas. encostei o armário pesado atrás da porta. apaguei as luzes para não ver o espelho. eu me tranquei para sempre, para morrer sozinho, na minha paranoia. abafei os gritos no travesseiro, para não incomodar os vizinhos. para ser encontrado semanas depois, debaixo das patas do meu gato faminto. a vida me incomoda como o som de unhas arranhando um quadro-negro sem parar. um ruído sem fim. cada vez mais alto. cada vez mais rápido. como vocês não escutaram também? como vocês não notaram que eu não suportava mais?
vocês não viram que eu estava no limite? a borda da xícara estava para transbordar a qualquer momento. a vida escorreu, desceu pelos pés da mesa e sumiu entre as poeiras do chão da sala. morri pelo excesso, por você demais, por não suportar nem mais uma gota. nenhuma mesmo. o que já matou minha sede, acabou me afogando.
como vocês não perceberam que eu estava morto há muito tempo?
morri, mais uma vez, por isso. por acreditar no que haviam me garantido, mentiras entre sorrisos. morri por não imaginar que seriam suas as mãos que iriam me conduzir até minha guilhotina.
morri, mais uma vez, por isso. por acreditar no que haviam me garantido, mentiras entre sorrisos. morri por não imaginar que seriam suas as mãos que iriam me conduzir até minha guilhotina.
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
meu medo é que a gente deixe o tempo passar. que passe dias, semanas, meses, um ano, sei lá quantos anos podemos deixar passar. meu medo é que a gente mude. quer dizer, eu sei que a gente vai mudar, o problema não é esse. meu temor é o tempo passar indefinidamente até que eu não saiba mais nada da tua vida, até que você também não tenha para saber da minha, até sermos pessoas diferentes, separadas por inúmeras mudanças, centenas e centenas de minutos de distância, que nos impedirá, sempre, de voltarmos a ser as pessoas que um dia fomos, ou que queríamos ser, ou que pensávamos que um dia poderíamos ser.
nós não vamos nos esbarrar por ai como nos filmes. eu não terei a chance de ver sua felicidade à distância, ou de torcer contra o seu novo romance, ou de imaginar se ainda existe uma chance. isso não é uma comédia romântica, e não teremos direito à um final feliz. o mundo abaixo de nós foi desenhado para impedir o nosso encontro. nosso primeiro esbarrão foi uma falha ontológica. os outros que se seguiram foram apenas teimosia. as cidades foram planejadas pensando na nossa separação e, daqui a pouco, após tantos pontinhos riscados no meu mapa, após eu perder tantas páginas e dias que se passaram, não seremos mas aquelas pessoas que esperávamos nos transformar. teremos novos pensamentos, com opiniões diferentes sobre literatura, sobre as mudanças políticas, sobre os personagens de nossos filmes preferidos, estaremos em universos paralelos, separados por doze ou dezessete estações rodoviárias que nunca se cruzam.
nós não vamos nos esbarrar por ai como nos filmes. eu não terei a chance de ver sua felicidade à distância, ou de torcer contra o seu novo romance, ou de imaginar se ainda existe uma chance. isso não é uma comédia romântica, e não teremos direito à um final feliz. o mundo abaixo de nós foi desenhado para impedir o nosso encontro. nosso primeiro esbarrão foi uma falha ontológica. os outros que se seguiram foram apenas teimosia. as cidades foram planejadas pensando na nossa separação e, daqui a pouco, após tantos pontinhos riscados no meu mapa, após eu perder tantas páginas e dias que se passaram, não seremos mas aquelas pessoas que esperávamos nos transformar. teremos novos pensamentos, com opiniões diferentes sobre literatura, sobre as mudanças políticas, sobre os personagens de nossos filmes preferidos, estaremos em universos paralelos, separados por doze ou dezessete estações rodoviárias que nunca se cruzam.
terça-feira, 31 de outubro de 2017
Uma ontologia de nós dois
Eu existo, mas quase não existo. Você existe, e existe demais. Existimos em tempos iguais e em tempos diferentes. Você desde sempre existiu mais do que eu, você existe todas as horas, todos os minutos, todos os segundos; eu existo apenas uma ou duas vezes por semana e, em certas semanas, até me esqueço de existir. Você não esquece de existir nem naqueles momentos em que ninguém está prestando atenção em você, faz questão de existir independente do observador ou do discurso. Nunca encontrei um momento em que você não tenha existido, e existido por completo.
Há quanto tempo você existe? Eu já perdi a conta.
Se você tivesse começado a existir poucos anos atrás, eu teria escrito o seu nome vinte e três vezes numa folha de papel em branco e prendido com imã na porta da geladeira. Neste tempo eu não teria que me preocupar em refletir sobre sua ausência ou sua existência. Ficaria satisfeito em saber seu endereço, seu apelido e o nome de sua melhor amiga, ficaria feliz em apenas existir paralelamente.
Mesmo sendo mais jovem, você existe há mais tempo que eu. Porém, não existiu na hora certa, você teimou em existir de um jeito errado, resolveu existir por cima de mim, cobriu minha existência com a tua e eu não consegui existir neste espaço apertado que sobrou. Eu não sou capaz de deixar de existir mais do que já não existo para abrir espaço para você existir ainda mais. Nosso amor foi uma contradição ontológica.
Há quanto tempo você existe? Eu já perdi a conta.
Se você tivesse começado a existir poucos anos atrás, eu teria escrito o seu nome vinte e três vezes numa folha de papel em branco e prendido com imã na porta da geladeira. Neste tempo eu não teria que me preocupar em refletir sobre sua ausência ou sua existência. Ficaria satisfeito em saber seu endereço, seu apelido e o nome de sua melhor amiga, ficaria feliz em apenas existir paralelamente.
Mesmo sendo mais jovem, você existe há mais tempo que eu. Porém, não existiu na hora certa, você teimou em existir de um jeito errado, resolveu existir por cima de mim, cobriu minha existência com a tua e eu não consegui existir neste espaço apertado que sobrou. Eu não sou capaz de deixar de existir mais do que já não existo para abrir espaço para você existir ainda mais. Nosso amor foi uma contradição ontológica.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Todo mundo merece um primeiro amor
Todo mundo merece ter um primeiro amor. Todo mundo merece ser o primeiro amor de alguém. Um primeiro amor não tem nada a ver com o tempo. Não importa se veio antes ou depois. O primeiro amor tem a ver com, ao menos uma vez na vida, ser capaz de despertar um amor tão intenso e desesperado que, por cinquenta ou cento e cinquenta anos, será lembrado como o melhor beijo, o melhor cheiro, o melhor sexo, o melhor passeio de mãos dadas pela cb, as melhores gargalhadas, as melhores conversas. Isso é um primeiro amor. Todo mundo deveria poder ter a experiência de sentir o coração de outra pessoa bater tão forte, tão forte, como se alguém tivesse arrancado do peito e colocado em tuas mãos, te deixando responsável por, de alguma forma, manter a vida naquele corpo.
Todo mundo merece ter um primeiro amor. Merece alguém que bombeie o seu sangue e destrua uma a uma todas as suas pequenas ilusões. Merece que alguém tome posse de seus pensamentos e tome crédito pela sua existência. Merece cada respiração profunda que alguém é capaz de realizar e cada dilatação na pupila. Todo mundo merece olhares apaixonados durante o jantar e mensagens bêbadas e sacanas na madrugada. Todo mundo merece alguém que faça enxergar a sombra de um coelho na lua simplesmente por estar naquela companhia, todo mundo merece a primeira tentativa de escrever poesia para outra pessoa.
Você foi o meu primeiro amor, e eu fui o teu primeiro amor. Trocamos segredos, suor e salivas de formas irreversíveis, nossos corações contraíram-se involuntariamente, fomos desestabilizado pela realidade, e acho que não existe forma de amarmos pela primeira vez novamente.
De qualquer forma, muito obrigado por ter sido o meu primeiro amor.
Todo mundo merece ter um primeiro amor. Merece alguém que bombeie o seu sangue e destrua uma a uma todas as suas pequenas ilusões. Merece que alguém tome posse de seus pensamentos e tome crédito pela sua existência. Merece cada respiração profunda que alguém é capaz de realizar e cada dilatação na pupila. Todo mundo merece olhares apaixonados durante o jantar e mensagens bêbadas e sacanas na madrugada. Todo mundo merece alguém que faça enxergar a sombra de um coelho na lua simplesmente por estar naquela companhia, todo mundo merece a primeira tentativa de escrever poesia para outra pessoa.
Você foi o meu primeiro amor, e eu fui o teu primeiro amor. Trocamos segredos, suor e salivas de formas irreversíveis, nossos corações contraíram-se involuntariamente, fomos desestabilizado pela realidade, e acho que não existe forma de amarmos pela primeira vez novamente.
De qualquer forma, muito obrigado por ter sido o meu primeiro amor.
terça-feira, 10 de outubro de 2017
feliz aniversário
os livros da estante do meu escritório
não estão mais organizados pela cor
e estão cheio de digitais
de cada mão tua que tocou num livro meu
quando você virá buscá-las?
e cada dia que não troco os lençóis
-- nem mesmo as fronhas
porque eu sei que existem coisas tuas ali
delicadezas como o cheiro que escapa
do teu cabelo quando você prende
dia após dia
tenho medo e dúvidas
assim como você, eu sei
e não tenho outras coisas para colocar
nos espaços que ficaram
totalmente vazios
mas ainda sinto raiva
e estou com saudade
ainda não vi o teu nome passar
nos créditos finais
desse filme triste
feliz aniversário
não estão mais organizados pela cor
e estão cheio de digitais
de cada mão tua que tocou num livro meu
quando você virá buscá-las?
e cada dia que não troco os lençóis
-- nem mesmo as fronhas
porque eu sei que existem coisas tuas ali
delicadezas como o cheiro que escapa
do teu cabelo quando você prende
dia após dia
tenho medo e dúvidas
assim como você, eu sei
e não tenho outras coisas para colocar
nos espaços que ficaram
totalmente vazios
mas ainda sinto raiva
e estou com saudade
ainda não vi o teu nome passar
nos créditos finais
desse filme triste
feliz aniversário
quando você adormeceu
na primeira noite que passamos juntos
eu senti como se duas grandes asas
de um anjo se dobrassem sobre mim
fechei os olhos e dormi dentro do teu inferno particular
eu senti o ar que saia da tua boca
e compreendi finalmente a linguagem esotérica
desses pequenos deuses que sussurram segredos
através de olhos que se fecham em noites como aquela
eu segurei tua mão por baixo das cobertas
foi como segurar uma tocha ardente
naquela noite quente
eu entendi uma bela porção de enigmas
roubei teu fôlego e cataloguei distâncias
dormi séculos em dois instantes
e tu coube inteira nos meus braços
desde então farejo teu sono
diariamente sigo teus rastros
morrendo de medo de pedir para você voltar
(você volta?)
a tua voz já mora em meus ouvidos
o teu cheiro -- como chamas -- alastrou rapidamente
e quando você fechou os olhos
naquela noite de verão,
eu me perdi, incondicionalmente
na primeira noite que passamos juntos
eu senti como se duas grandes asas
de um anjo se dobrassem sobre mim
fechei os olhos e dormi dentro do teu inferno particular
eu senti o ar que saia da tua boca
e compreendi finalmente a linguagem esotérica
desses pequenos deuses que sussurram segredos
através de olhos que se fecham em noites como aquela
eu segurei tua mão por baixo das cobertas
foi como segurar uma tocha ardente
naquela noite quente
eu entendi uma bela porção de enigmas
roubei teu fôlego e cataloguei distâncias
dormi séculos em dois instantes
e tu coube inteira nos meus braços
desde então farejo teu sono
diariamente sigo teus rastros
morrendo de medo de pedir para você voltar
(você volta?)
a tua voz já mora em meus ouvidos
o teu cheiro -- como chamas -- alastrou rapidamente
e quando você fechou os olhos
naquela noite de verão,
eu me perdi, incondicionalmente
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
Dizem que o amor pode nascer à primeira vista, mas será que podemos também determinar com a mesma precisão o momento que morre um amor? Podemos saber em qual segundo decisivo aquele sentimento, antes tão fundamental e indispensável, se transformou em cinza? Brutalmente, um período de minha vida parece ter chegado ao fim, e eu não tenho nada para substitui-lo, apenas uma angustiante ausência. Sempre tive inveja da segurança dos outros, a certeza de suas vidas fixas e seus planos elaborados. O que a vida vai significar de agora adiante? Nossos corpos, com o tempo, se tornaram estranhos. Muros serão construídos entre a gente e a separação, finalmente, será institucionalizada. É inevitável que seja assim.
Hoje os minutos passaram anestesiados. Sofrer um grande golpe e perder a capacidade de sentir algo, isso significa que o golpe foi realmente forte. Significa que fomos vencidos e que não vale mais a pena lutar. Qualquer outra pessoa eu teria mandado para o inferno, mas você não, e foi isso que tornou as coisas mais difíceis. O que ainda faz doer um pouco, talvez, seja saber que não podemos continuar nem como amigos, e ainda assim haver tanta coisa nos prendendo um ao outro. Talvez eu sinta saudades, às vezes. Talvez nada leve o que compartilhamos. Durante muito tempo amei os dias que passamos juntos. Parecia uma combinação tão improvável e surreal de coisas: cafés na Lima, maconha no quarto, filmes no netflix, algemas na cama. Quando se está apaixonado não é a duração do tempo que importa, mas a intensidade com que ele é experimentado. Queria, com todo coração, que nada estragasse isso. Mas já não tenho certeza disto. Eu só não quero mais continuar me magoando com você. Eu não poderia suportar ver todo o sentimento que tive por você se transformando em ódio.
O mais provável é que nossa história de amor se torne um bloco de gelo que aos poucos se derreta até não sobrar mais nada. A forma tímida que você segurou o hambúrguer na primeira vez que saímos, o olhar no teu rosto quando pedi para te beijar pela primeira vez, uma lembrança tua descendo do ônibus na rodoviária de Erechim com a cara de sono, seu casaquinho xadrez, a forma que você gargalhava quando eu contava uma piada idiota, seu jeito de se olhar no espelho antes de sair... Tudo isso, hoje eu sei, aos poucos, irá desaparecer. É impossível que seja diferente.
Passei a noite pensando no motivo de nossa última briga. Por que me senti tomado de assalto por uma sensação de traição se nem mais estamos juntos? Embora não houvesse um contrato, um status no facebook, entre nós havia um tipo de contrato do coração, uma ligação mais profunda que qualquer conveniência social, e foi por isso que tua deslealdade me machucou. Eu não espero que você entenda. A Sabrina que um dia amei, ela talvez fosse capaz de entender. Mas a pessoa que você se mostrou desde que terminamos, essa pessoa eu não tenho nenhuma expectativa que compreenda o que se passou. A questão também é que esse acontecimento não foi a causa de nosso afastamento definitivo, foi apenas mais um sintoma. Um sintoma de que somos incompatíveis. Fomos incompatíveis como namorados, incompatíveis como ficantes e seríamos incompatíveis como amigos. De certa forma, ninguém pode ser responsabilizado por isso. Eu não me zango com a Gata Dasein porque ela não sabe cantar, pois sua constituição nunca lhe deu a chance de fazer outra coisa senão miar. Da mesma forma, não se pode culpar alguém por ser como é. Ninguém escolhe ser compatível ou não com outra pessoa. Apenas acontece.
Hoje, caminhando pelo campus e pensando na gente, eu compreendi, pela primeira vez, que o mundo é o mesmo com ou sem você. Os prédios e os corredores nos quais durante muito tempo eu projetei nosso futuro -- me imaginava professor efetivado mostrando para você meu lugar de trabalho -- insistiam em continuar exatamente iguais. As mesmas árvores alinham o caminho até a parada do ônibus, o mesmo tipo de estudante espera na parada, até as mesmas conversas formam o cenário. A noite do inverno de Erechim tem o mesmo vento frio. Essa recusa de mudança apenas me lembrou que o mundo é uma coisa independente que vai continuar funcionando mesmo agora que eu sei que nunca mais vou te olhar nos olhos antes de um beijo.
Minha identidade foi durante tanto tempo, até depois que terminamos, construída em torno de uma expectativa futura de um "nós", que talvez apenas hoje, desde que segurei tua mão pela primeira vez, voltei a ser um "eu".
sexta-feira, 28 de julho de 2017
O silêncio dos rinocerontes
Me sinto desarmado. Estou perdido para sempre na borracheira contínua dos dias. Vem me abraça, me envolve em teus braços, porque senão me perco, me parto, me quebro em mil pedaços. Me abraça. só quero dormir entre teus braços e sonhar sonhos bonitos, sonhar que estamos em um trem indo até o sol, e quando acordar que tu esteja do meu lado. Porque nós dois estaremos envolvidos pelo véu do amor, aquele véu transparente do amor, aquela capa transparente de flores e com cheiro de chuva que nos deixa invisíveis e protegidos. Arranca de uma vez essa sensação de estar patinando em um piso frágil de gelo que pouco a pouco se quebra embaixo dos meus pés. Estamos longe do mundo, longe da noite, longe de nossos próprios corpos. Já nem temos necessidade de falar. Entre nós há outra língua. A linguagem das mãos, a linguagem do silêncio dos rinocerontes. Nesse momento me esqueço de tudo. Não me importa mais nada. Esqueço do meu nome, esqueço do meu sexo, esqueço da minha origem, esqueço da minha metafísica. Esqueço de tudo porque aqui contigo, nessa noite de inverno, nessa rua da Cidade Baixa, eu tenho tudo. Aqui te direi que meu nome são teus beijos, minha origem são tuas mãos, minha metafísica são teus olhos e meu sexo são teu cheiro e teu suor.
domingo, 21 de maio de 2017
Eu não vou mais escrever sobre você
Eu não vou mais ficar bêbado e escrever sobre você. Essa é a última vez que escrevo sobre você. Tá certo que das outras vezes eu deletei os posts antes mesmo de terminar, mas você deveria saber, deveria ter adivinhado. deveria ter sentido minhas palavras confusas viajando sobre os fios de luz que estragam a paisagem e misturando-se a luz do teu apartamento. Deveria ter sentido minhas palavras escorrendo junto com a água do teu chuveiro e lavando os teus cabelos. Contaminei toda a água de porto alegre com minhas tóxicas palavras de amor. Os peixes estão morrendo, meu amor está consumindo todo o oxigênio que existe nos rios e nos lagos. O mau cheiro já viajou pelo ar até tua rua, mas você simplesmente fechou a janela e ligou o ventilador. Nem mesmo percebeu que os pescadores não fazem mais feira aos domingos no mercado. Eu peço desculpas pelo incômodo, mas a melhor forma que encontrei para me comunicar foi a putrefação.
Eu não vou mais escrever sobre você. Sim, é verdade, você nunca me pediu tal coisa. Tua memória continua excelente. Mas você não olhou nos meus olhos, não cheirou minhas roupas, não entrelaçou nossos dedos? Tudo o que escrevo sobre você é um desagradável pleonasmos das suplicas de meu corpo. Sempre pensei que meu amor assim tão espalhado pelo mundo te faria ir embora ainda antes. De qualquer forma você foi, Eu sempre achei que sofreria antecipadamente pelo vazio que ficaria quando você fosse embora. Você foi. Não sei se foi realmente pelo que conversamos ou você apenas encontrou um motivo estúpido para permanecermos inocentes. Às vezes gostaria de não ter te dedicado amor nenhum. Outras vezes penso que foi melhor que eu tenha te dado meu amor por completo de uma só vez, e você que o guarde. Ou deixe-o mofar, ou dê para os mendigos da venâncio comer. Faça com ele o que quiser, desde que o leve para longe de mim. Continue indo embora de mãos dadas com meu amor. Não pise na grama e cuidado com a água que você resolver beber pelo caminho. Fora isso, pode ir sem se preocupar. Eu, como sempre, decidi não escrever mais sobre você.
sexta-feira, 19 de maio de 2017
amor
o amor não tem nada para ensinar;
não pergunte nada ao amor;
o amor não está aqui nem está em outro lugar;
não procure o amor no fundo de nada;
o amor só sobrevive na superfície;
sobretudo não o procure;
mas não espere que ele lhe encontre;
não morra de amor;
o amor não deveria machucar;
o amor não precisa de homenagens ou de respeito;
o amor não é uma entidade;
ele não tem autonomia para cair sobre quem bem entender;
porque o amor não é uma coisa em si;
ele é frágil e menor;
é preciso saber ouvir.
ouça.
agora mesmo.
ele está falando.
você escutou?
escutou?
eu sei que você também consegue escutar.
não pergunte nada ao amor;
o amor não está aqui nem está em outro lugar;
não procure o amor no fundo de nada;
o amor só sobrevive na superfície;
sobretudo não o procure;
mas não espere que ele lhe encontre;
não morra de amor;
o amor não deveria machucar;
o amor não precisa de homenagens ou de respeito;
o amor não é uma entidade;
ele não tem autonomia para cair sobre quem bem entender;
porque o amor não é uma coisa em si;
ele é frágil e menor;
é preciso saber ouvir.
ouça.
agora mesmo.
ele está falando.
você escutou?
escutou?
eu sei que você também consegue escutar.
quarta-feira, 5 de abril de 2017
Sobre seguir em frente
Ontem eu dormi pela primeira vez desde que a gente terminou sem a ajuda de comprimidos.
sábado, 1 de abril de 2017
Desde que a gente terminou
Desde que a gente terminou: alguém girou a torneira do banheiro para lavar o próprio rosto; alguém se preparou para morrer; alguém nasceu e encheu de amor alguma família; alguém descobriu alguma nova fórmula para curar alguma doença; alguém ficou sem ter ninguém para abraçar numa noite solitária; alguém ficou alegre apenas por ouvir sua música preferida tocar no rádio do carro; algum casal assistiu a um velho filme em um cinema decadente; alguém caminhou pelo centro de Porto Alegre e sem querer esbarrou no sapato de outra pessoa; alguém riu com um meme da ines brasil e marcou as amigas para rirem também; alguém ficou preso no trânsito e perdeu um compromisso importante; alguém acendeu um cigarro na boca de um fogão a gás; alguém entendeu que em metafísica ser e fundamento não são a mesma coisa; alguma criança levou fanta uva para o piquenique da escola; alguém se deu conta que todos os meses do ano terminam com a letra "o", menos abril. Muita coisa aconteceu desde que a gente terminou. A única coisa que não aconteceu foi eu conseguir parar de pensar em você. Nem por um único minuto.
sexta-feira, 31 de março de 2017
Phármakon
Desde que o li pela primeira vez, a Farmácia de Platão, de Derrida, é um dos meus textos preferidos na Filosofia. O filósofo defende lá que a tradição filosófica, desde Platão, sempre privilegiou a fala, a voz viva, e criticou a escrita como um fantasma, uma forma de expressão sem vida e alienada. A palavra escrita não pode transmitir com a mesma precisão do que a palavra falada, e por isso ela foi relacionada com o phármakon por Platão.
Phármakon, como mostra Derrida, significa remédio e veneno ao mesmo tempo. Esse sentido ambíguo do termo grego é o que me interessa. Aquilo que nos cura também nos mata. Aquilo que nos mata, em suas devidas doses, pode nos salvar. E o que por muito tempo nos salvou, é aquilo que acaba nos matando.
Você sempre será o meu phármakon, meu remédio e meu veneno, minha salvação e minha morte, a minha droga preferida.
quarta-feira, 29 de março de 2017
Sobre dar um tempo
Eu te devo isso. E hoje, pensando no tempo que estamos dando e no tempo que ficamos juntos, o medo bateu. E bateu muito forte. Lembrei do nascimento de um amor. Poucos amores nascem, crescem e florescem. Normalmente parece que as pessoas nascem prontas, embrulhadas para presentes. Mas com você foi diferente. Fomos quebrando os espinhos aos poucos. Começou naquela aventura confusa e maravilhosa pelas ruas da CB. Era pra ser só um tacaço, lembra? Foi logo ali que eu aprendi a te respeitar. Depois, Porto Alegre, apezinhos na Venâncio, a relação se fortaleceu entre as madrugadas, bares e Netflix. Por isso, hoje, o medo veio muito forte. Eu não sei o que teria sido de mim sem você naquele momento. Não importam os motivos: foi intenso e caótico para nós dois. Eu sei, mas era você que estava comigo naquele apartamento, rindo das minhas piadas, me botando pra cima numa fase da minha vida em que o mundo inteiro me dizia que eu não era nada. Era você que estava lá comigo, e isso era só o que importava. Porque os verdadeiros casos de amor não surgem do nada, embrulhados para presentes. As pessoas são como flores: tem que saber como tocar e segurar. Se não, é sempre sangue e saudade. É bom ter
alguém para dividir as coisas. Ou somar. Às vezes muita coisa falta. Às vezes
muita coisa sobra e eu não sei onde guardar.
namorados
eu te dou a minha palavra, meu amor:
rinoceronte, cidade baixa, metafísica, ser, riso
dasein, grêmio, saudade, cerveja, desconstrução
qual você quer?
eu quero "ser", amor,
é a mais bonita,
essa é a que eu mais gosto, minha palavra preferida
mas tudo bem
essa também eu te dou
- como o último pedaço da coisa gostosa que estivermos comendo -
- como o último pedaço da coisa gostosa que estivermos comendo -
eu te dou minha palavra
eu te dou todas as minhas palavras,
meu amor.
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