segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

como vocês não viram eu me retorcer pela cama, tentando desvirar minha alma, tentando tirar do avesso? como vocês não viram? eu me esfregava pela cama, pelo colchão cheio de espumas, machucando minhas costas, deixando marcas vermelhas. Como vocês não me ouviram chorar? eu chorava, pedia num soluço para que me desintoxicassem por dentro, para que me lavassem com água e sabão. vocês podem não saber, mas eu me sentia sujo. como quem está cansado de caminhar na chuva, para em uma esquina qualquer, encosta em um poste, com as mãos no bosto e recebe a lama respingada pelos carros que passam sobre as poças, e de propósito encharcando seus sapatos, sua roupa, sujando seu rosto como o que escorreu da cidade imunda, com a água que lavou os telhados e as marquises. vocês não sentiram que eu tinha um gosto amargo na boca? nem isso vocês perceberam? um gosto ruim acumulado por tudo o que passou. não sentiram o meu cheiro? tinha algo apodrecido. nem sentiram minha testa quente e o suor de minha febre. pelo menos leram os bilhetes que letras tremidas que deixei pela casa? leram? ou meus pedidos de ajuda escrito com carvão pelas paredes? na porta da geladeira, as letras de imã formando socorro? vocês não sabiam que eu estava morrendo aos poucos? 

essa morte lenta que me embrulha o estômago. uma vida insuportável que provoca vômito no meio da madrugada. suor frio na volta pra cama, pra dormir no máximo três horas. para amanhã viver tudo de novo. vocês nem poderiam perceber. eu tranquei as portas para morrer sozinho no terceiro andar. fechei com tijolos as janelas. encostei o armário pesado atrás da porta. apaguei as luzes para não ver o espelho. eu me tranquei para sempre, para morrer sozinho, na minha paranoia. abafei os gritos no travesseiro, para não incomodar os vizinhos. para ser encontrado semanas depois, debaixo das patas do meu gato faminto. a vida me incomoda como o som de unhas arranhando um quadro-negro sem parar. um ruído sem fim. cada vez mais alto. cada vez mais rápido. como vocês não escutaram também? como vocês não notaram que eu não suportava mais? 

vocês não viram que eu estava no limite? a borda da xícara estava para transbordar a qualquer momento. a vida escorreu, desceu pelos pés da mesa e sumiu entre as poeiras do chão da sala. morri pelo excesso, por você demais, por não suportar nem mais uma gota. nenhuma mesmo. o que já matou minha sede, acabou me afogando. 

como vocês não perceberam que eu estava morto há muito tempo?

morri, mais uma vez, por isso. por acreditar no que haviam me garantido, mentiras entre sorrisos. morri por não imaginar que seriam suas as mãos que iriam me conduzir até minha guilhotina. 

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