Dizem que o amor pode nascer à primeira vista, mas será que podemos também determinar com a mesma precisão o momento que morre um amor? Podemos saber em qual segundo decisivo aquele sentimento, antes tão fundamental e indispensável, se transformou em cinza? Brutalmente, um período de minha vida parece ter chegado ao fim, e eu não tenho nada para substitui-lo, apenas uma angustiante ausência. Sempre tive inveja da segurança dos outros, a certeza de suas vidas fixas e seus planos elaborados. O que a vida vai significar de agora adiante? Nossos corpos, com o tempo, se tornaram estranhos. Muros serão construídos entre a gente e a separação, finalmente, será institucionalizada. É inevitável que seja assim.
Hoje os minutos passaram anestesiados. Sofrer um grande golpe e perder a capacidade de sentir algo, isso significa que o golpe foi realmente forte. Significa que fomos vencidos e que não vale mais a pena lutar. Qualquer outra pessoa eu teria mandado para o inferno, mas você não, e foi isso que tornou as coisas mais difíceis. O que ainda faz doer um pouco, talvez, seja saber que não podemos continuar nem como amigos, e ainda assim haver tanta coisa nos prendendo um ao outro. Talvez eu sinta saudades, às vezes. Talvez nada leve o que compartilhamos. Durante muito tempo amei os dias que passamos juntos. Parecia uma combinação tão improvável e surreal de coisas: cafés na Lima, maconha no quarto, filmes no netflix, algemas na cama. Quando se está apaixonado não é a duração do tempo que importa, mas a intensidade com que ele é experimentado. Queria, com todo coração, que nada estragasse isso. Mas já não tenho certeza disto. Eu só não quero mais continuar me magoando com você. Eu não poderia suportar ver todo o sentimento que tive por você se transformando em ódio.
O mais provável é que nossa história de amor se torne um bloco de gelo que aos poucos se derreta até não sobrar mais nada. A forma tímida que você segurou o hambúrguer na primeira vez que saímos, o olhar no teu rosto quando pedi para te beijar pela primeira vez, uma lembrança tua descendo do ônibus na rodoviária de Erechim com a cara de sono, seu casaquinho xadrez, a forma que você gargalhava quando eu contava uma piada idiota, seu jeito de se olhar no espelho antes de sair... Tudo isso, hoje eu sei, aos poucos, irá desaparecer. É impossível que seja diferente.
Passei a noite pensando no motivo de nossa última briga. Por que me senti tomado de assalto por uma sensação de traição se nem mais estamos juntos? Embora não houvesse um contrato, um status no facebook, entre nós havia um tipo de contrato do coração, uma ligação mais profunda que qualquer conveniência social, e foi por isso que tua deslealdade me machucou. Eu não espero que você entenda. A Sabrina que um dia amei, ela talvez fosse capaz de entender. Mas a pessoa que você se mostrou desde que terminamos, essa pessoa eu não tenho nenhuma expectativa que compreenda o que se passou. A questão também é que esse acontecimento não foi a causa de nosso afastamento definitivo, foi apenas mais um sintoma. Um sintoma de que somos incompatíveis. Fomos incompatíveis como namorados, incompatíveis como ficantes e seríamos incompatíveis como amigos. De certa forma, ninguém pode ser responsabilizado por isso. Eu não me zango com a Gata Dasein porque ela não sabe cantar, pois sua constituição nunca lhe deu a chance de fazer outra coisa senão miar. Da mesma forma, não se pode culpar alguém por ser como é. Ninguém escolhe ser compatível ou não com outra pessoa. Apenas acontece.
Hoje, caminhando pelo campus e pensando na gente, eu compreendi, pela primeira vez, que o mundo é o mesmo com ou sem você. Os prédios e os corredores nos quais durante muito tempo eu projetei nosso futuro -- me imaginava professor efetivado mostrando para você meu lugar de trabalho -- insistiam em continuar exatamente iguais. As mesmas árvores alinham o caminho até a parada do ônibus, o mesmo tipo de estudante espera na parada, até as mesmas conversas formam o cenário. A noite do inverno de Erechim tem o mesmo vento frio. Essa recusa de mudança apenas me lembrou que o mundo é uma coisa independente que vai continuar funcionando mesmo agora que eu sei que nunca mais vou te olhar nos olhos antes de um beijo.
Minha identidade foi durante tanto tempo, até depois que terminamos, construída em torno de uma expectativa futura de um "nós", que talvez apenas hoje, desde que segurei tua mão pela primeira vez, voltei a ser um "eu".
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