quinta-feira, 27 de junho de 2013

Queda

Quando você é só um estudante de graduação, você se impressiona com essas coisas: Heidegger, Aristóteles, Husserl, Benjamin,  Derrida, Tomás de Aquino, como se qualquer pessoa na rua estivesse disposta a responder pelo sentido de ser como tal e em seu todo caso você perguntasse. Mas com o tempo isso vai mudando. Você percebe que as histórias se repetem, que seus professores contam da mesma forma, com as mesmas entonações e você pode até citar exemplos de situações que volta e meia deixavam a voz de um professor embargada: Benjamin fugindo do Nazismo, Heidegger dando preleções numa cabana simples na Floresta Negra, Husserl escondendo sua descendência judaica. Alguma coisa muda quando você ouve e lê a mesma coisa sendo repetida, duas ou duzentas vezes, e de repente você não consegue mais acompanhar tudo isso, não consegue mais se sentir afetado por algo que aos poucos você percebe que tem muita pouca relação com a sua vida. E você ouve o Puntel falando (ser enquanto tal e em seu todo), depois de já ter lido centenas de páginas do Puntel explicando (ser enquanto tal e em seu todo) e vê o professor que você admira repetindo aquilo tudo (ser enquanto tal e em seu todo) e fica sem saber o que fazer com aquilo tudo (ser enquanto tal e em seu todo). Não é a mesma coisa quando você é adulto e você acorda às sete da manhã para ir na aula, o apartamento quase todo em silêncio (ser enquanto tal e em seu todo), você sem muita vontade saindo da cama, indo ao banheiro e à cozinha pegar algo na geladeira (ser enquanto tal e em seu todo) e depois você sai de casa e vai pegar ônibus (ser enquanto tal e em seu todo) e você olha para as pessoas caladas na parada do ônibus (ser enquanto tal e em seu todo) e você olha para as pessoas caladas dentro do ônibus lotado (ser enquanto tal e em seu todo) e você sente que não se encaixa no mundo (ser enquanto tal e em seu todo) e começa a sentir raiva de todo mundo (ser enquanto tal e em seu todo). E na aula você não presta atenção em nada, aquilo que o professor e os colegas dizem não passa de bolhas de sabão e você lembra de todas as vezes no semestre em que ouviu seu professor falar do ser enquanto tal e em seu todo e hesita e se sente derrotado e pensa que nada faz sentido (ser enquanto tal e em seu todo). É mesmo muito diferente quando você já é adulto e está sozinho (ser enquanto tal e em seu todo) e não tem dinheiro (ser enquanto tal e em seu todo) e tem medo do futuro (ser enquanto tal e em seu todo) e começa a se dar conta que está arrependido de todas as últimas decisões que tomou na sua vida (ser enquanto tal e em seu todo) e você sente raiva, uma raiva que só aumenta e aumenta e aumenta e quando você começa a culpar as outras pessoas pelo que está dando errado na sua vida você sabe que alguma coisa está errada com você (ser enquanto tal e em seu todo). 

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