sábado, 22 de junho de 2013

Reunião de condomínio fenomenológica

Hall de entrada do prédio Condomínio Compreensão e Finitude. Reunião de condomínio conduzida pelo síndico Edmundo. Também estão presentes Max, Martinho, Ernildo, João Paulo, Maurício e Emanoel. Síndico Edmundo bate na mesa para chamar a atenção de todos e começar a reunião. 

Síndico Edmundo (sentado na mesa da frente, com papeis nas mãos): Bom dia, meus senhores. Estamos dando início a mais uma reunião de condomínio aqui no nosso querido Condomínio Compreensão e Finitude. Segundo ficou acordado em nossa última reunião, e como consta na sua ata, começaremos hoje com as queixas do morador do 204, João Paulo, que diz que a existência é um absurdo, sobretudo desde que foi proclamada a morte de Deus. 
Max (adiantando-se a João Paulo): Eu moro nesse prédio há 22 anos e estou sempre querendo chamar a atenção para isso. Um problema sério que precisa ser resolvido o quanto antes. 
João Paulo: (um pouco exaltado): É verdade, e nunca ninguém faz nada. E olha o quanto a gente paga de condomínio todo mês. 
Síndico Edmundo: Calma, pessoal. E isso não é verdade, pois eu lembro que no começo do ano a imobiliária contratou um teólogo jesuíta para nos devolver a esperança. 
João Paulo: Mas o trabalho desse teólogo não teve a menor resistência. Lembro bem que só durou uns cinco dias de chuva. 
Max: Exato, quando a finitude não é considerada seriamente, faz-se um remendo e depois volta tudo como era antes. 
Síndico Edmundo: Pessoal, sinto muito, mas temos que colocar aqui alguma ordem e, se quisermos resolver alguma coisa, teremos que ser mais específicos. (Olhando para o papel). E aquele problema no quarto andar da suspensão do Dasein na angústia na clara noite do nada levantado pelo senhor Martinho do 405 na última reunião foi solucionado? 
Martinho (enfático): Completamente. 
Síndico Edmundo: Muito bem, então podemos seguir. Outro assunto: como está a ocorrer a pré-compreensão do ser nos apartamentos que se queixavam de falta de mundo da vida? 
Max: Olha, desde fevereiro que não tenho mundo da vida no meu apartamento. 
Martinho: Comigo acontece quase a mesma coisa. Eu começo a pré-comprender o ser e de repente o mundo da vida acaba. Já chamei até um técnico em psicanálise e até hoje ele não apareceu. 
Max (bravo): Esses psicanalistas são todos iguais, nunca cumprem os prazos. 
Síndico Edmundo (escrevendo): Certo, vou tomar nota disso. Outro assunto, o seu Emanuel do 101 se queixa que não consegue dormir por causa da penúria da linguagem quando se tenta predicar o ser de forma clara e objetiva na metafísica moderna. Mas isso é em qual hora, senhor Emanuel? 
Emanuel: Sobretudo as nove horas, pouco depois do jornal. Fica aquela predicação do ser de forma clara e objetiva justo quando eu estou tentando dormir, pois , como todos sabem, eu trabalho cedo. 
Martinho (um pouco irritado): Sinto muito ter que te dizer isso, mas nessa hora ainda é permitido predicar o ser, segundo as normas do condomínio. A partir das dez é que não. A partir das dez só se pode falar do ente e não mais do ser. 
Max: Aí o seu Martinho tocou num ponto importante. Devemos esquecer a predicação do ser e nos focarmos no confusão entre ser e ente. Muitos pensam que estão predicando o ser, quando, na verdade, predicam o ente. Um verdadeiro absurdo, se me permitem dizer. 
Síndico Edmundo: O senhor me desculpe, mas isso não consta no cronograma da reunião. Eu fui eleito síndico desse prédio pelo meu rigor e disciplina e pretendo continuar assim. 

Todos começam a discutir entre si repetindo frases fenomenológicas. O Síndico Edmundo começa a bater na mesa e a pedir ordem. Ernildo que ficou o tempo todo em silêncio ergue a mão e pede a palavra. 

Ernildo: Peço desculpas por interromper, mas é que eu tenho uma infiltração na minha cozinha. 

Todos fazem cara de que não entendem. 

Síndico Edmundo (bastante confuso): Tá, e a gente com isso? Não entendi. 
Martinho (irritado): Não nos perturbe com seus delírios, Ernildo. 
João Paulo: Calma, deixa eu ver se entendi. Essa tal de "infiltração" (fazendo aspas com os dedos) é uma metáfora para o velar e desvelar do ser para a compreensão finita do homem que está no mundo? 
Ernildo: Não, é apenas uma goteira que tenho na minha cozinha e que está me atrapalhando. 
Emanoel: Ah, então essa "infiltração" (fazendo aspas com os dedos) está te causando angústia? 
Ernildo: Não propriamente, apenas me deixa um pouco preocupado. 
Martinho ri tanto que quase cai da cadeira. Todos se olham sem entender. 
Síndico Edmundo (gritando): Então cale-se! Não venha querer ocupar nossas cabeças com problemas triviais. 
Ernildo: Peço desculpas. Eu peço desculpas por ter interrompido. Continuemos. 
Max (irritado): Creio que devemos colocar em pauta aquela aquela confusão entre o ser e o ente. 
Emanuel (mais irritado): Eu ainda não estou satisfeito com a questão da predicação do ser quando quero silêncio para dormir. 
Martinho (ainda mais irritado): Mas o barulho do outro sendo desconstruído não te aborrece, não é? 

Todos começam novamente a discutir falando frases fenomenológicas. 







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