quinta-feira, 20 de junho de 2013

Falácias e farmácias

A culpa é da passagem do ônibus, a culpa é dos vinte centavos. A culpa é da corrupção, da mídia, do Papa, do capitalismo, do individualismo. A culpa é do povo que é burro e não sabe votar. A culpa é do vizinho que só sabe beber e bater na mulher. A culpa é do tomate, que tá caro. A culpa é do Hulk no ataque da seleção. A culpa é do Zeca Pagodinho. E do Pelé. Quer saber, a culpa também é do Ronaldinho. Todo mundo já sabe disso na Área 51. 

Tá, não é quase nada. Afinal ano que vem tem Copa. O maior evento esportivo do mundo no maior país católico do mundo. Tudo no Brasil é grandioso: as passeatas, os protestos, o Maracanã, o Cristo Redentor, a Parada Gay, a bunda das mulheres. Deus é brasileiro. Jesus também é e comeu a Madonna. Lá fora já acabou. Agora chove e as águas lavam tudo. Lavam a alma e levam a lama. Lavando as ruas do decadente centro. 

A culpa é do PT, do PMDB, do PTB, do PPB, do Pepê e Nenê. A culpa é do Lula, que é analfabeto, a culpa é do Sarney, que continua lá, a culpa é do Feliciano, que quer curar os gays, a culpa é da Dilma, que tem cabelo feio, a culpa é do Heidegger, que não tematizou a pré-compreensão do ser. A culpa é do ser, de Deus, da aura, do outro, do nada. A culpa é do Luxemburgo. A culpa é dos teus olhos que ficam bonitos quando você defende Sartre. A culpa é minha por achar os teus olhos bonitos quando você defende Sartre. 

Sim, eu sei que a culpa é minha também. Já nasci pecador porque um tal de Adão não soube se comportar. Ser ou não ser não é uma opção. Humilhados e ofendidos, na eterna busca por sentido, distribuindo suas culpas, canonizando suas estrelas. A história não se altera e a raiva é necessária, mas passageira. O mundo às vezes parece um jogo ou uma brincadeira de mau gosto. É preciso cautela. A polícia é perigosa e pode pregar peças e pregos.

Pessoas procuram motivos e inventam motivos. Ontem, hoje e amanhã: sonhos, sedutores sonhos. De verdade, ninguém sabe nada. Tudo pode ser só algodão doce, sem realidade. A gente vive assim: entre falácias e farmácias. Pessoas perfeitas já nascem mortas. E eu depois de tudo só consigo pensar que me sinto mais próximo de pessoas que se protegem do frio com roupas de lã do que de pessoas que usam couro. Lã é o tecido mais querido que existe.Vamos ficar aqui, quase felizes, afirmando incertezas com toda a clareza e sofisticação. Até que o Nada nos engula.

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