Escrever filosofia é solitário e solidário. Provavelmente alguém já disse isso, o que não me impede de dizer de novo. Solitário para quem escreve e solidário para quem lê. O processo é sempre sair do tédio e ir em direção às estrelas. Às vezes é chato, bem chato. É chato como amarrar os cadarços ou derrubar pasta de dente no uniforme do colégio. É chato. É tudo isso misturado e batido e bebido e esquecido. Lá fora os carros, buzinas, cachorros e gente. Lá fora a vida segue seca. Os carros passam voando. Os dias passam batidos. Os sonhos morrem. E o ser é. Aqui a falta de sono, os comprimidos, boa noite. É sempre quando o senhor Tédio passa para fazer uma visita. Ele sempre vem para dizer que você não é nada e que não vai fazer diferença. Não é que ele esteja errado. Somos mesmo poeira no vento. A vida é apenas um sonho dentro de um sonho de um deus que está quase acordando. A gente é a luz brilhando de uma estrela que nem existe mais. Mas e daí? Será que vai chover amanhã? Até quando na filosofia as pessoas vão usar o passado para justificar o presente? Será que a dor do outro dói mais? O senhor Tédio é muito amigo da Dona Insônia. E lá fora os carros. Os carros, estudantes, bichas, putas, advogados, publicitários. Cansados, vazios, quase felizes. Amanhã vai começar de novo. É preciso acordar, fazer coisas, sentir-se útil. Café, conversas previsíveis, tudo de novo amanhã. Pegar mais coraçãozinhos, estrelinhas e moedinhas. Tudo tão velho já. O capitalismo é uma merda mas é o que tem pra hoje. Ninguém mais te espera de braços abertos na saída do colégio. Qualquer pensamento rascunhado num guardanapo de bar vale mais que toda a Crítica da Razão Pura. Filosofar é expressar leves noções fragmentadas e desconectas de um todo impossível de ser. Quando nada no mundo te conforta mais do que o barulho dos carros passando lá fora, os carros passando, lá fora, os carros, passando, os carros. Vocês conseguem escutar os carros? O escravo que escreve filosofia só gosta das perguntas. Eu não sei o que faço com o Chaleira. Talvez ele corte os pulsos e vá viver lá fora com os carros. Vou dormir sem respostas.
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