sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Agente da paranoia V

Olá, tudo bem? Meu nome é Alana e eu estou morta. Até aí tudo bem. A ruim de estar morta é que ninguém conversa com você e quando você tenta falar com alguém, nem olham na sua cara porque, tipo, você é um fantasma. É por isso que eu inventei um método para poder conversar com as pessoas. Um método que, modéstia à parte, o que tem de simples tem de engenhoso. Vamos chamá-lo de O método de como conversar com pessoas da Fantasma Alana. Trata-se do seguinte: sempre que eu me sinto sozinha e preciso conversar com alguém. procuro até encontrar alguém que esteja catatônico, daquele jeito meio apelermado que algumas pessoas ficam às vezes, quase um piripaque do Chaves, olhando para o nada com os olhos arregalados e a cabeça vazia. Tento me posicionar na frente da pessoa que tá tendo um ruim e fico ali paradinha, olhando para ela e falando sobre qualquer coisa. Contanto que a pessoa continue travada e eu continue ali falando, do meu ponto de vista é como se fossemos best friends e ela estivesse prestando maior atenção no que falo. E se a pessoa não mudar a expressão, não desviar o olhar e nem sequer piscar é como se ela não quisesse me interromper. É como se eu estivesse viva novamente. Na verdade, ganho até mais atenção do que quando estava viva. É o maior nível de atenção que já consegui ter em uma conversa.

Dois eventos sociais são os mais fácies de encontrar pessoas perdidonas assim: reuniões de condomínio e aulas de filosofia. Nas reuniões de condomínios é melhor porque as pessoas tentam disfarçar a catatonia olhando para o chão e então eu preciso apenas sentar no chão, em posição de índio, e conversar com a pessoa sobre meus medos ou meus sonhos. Já nas aulas de filosofia é diferente. Os alunos são mais discretos, geralmente eles paralisam olhando para cima e aí para conversar com eles olhando nos olhos eu preciso flutuar. Só que assim não gosto muito, me sinto muito fantasmona e não consigo focar na conversa. Também tem o professor né. Por um lado ele pode parecer a escolha mais óbvia: é só a aula terminar que ele tem um treco e fica com os olhos fixos numa direção só. Eu não gosto. Olha, não me levem a mal, moços, mas não quero ficar falando das minhas coisas pessoas para uma pessoa -- e digo isso com todo o respeito, falo assim jurando levantado o dedinho -- uma pessoa que tá menos viva do que eu. Dá uma coisa ruim. E se eu quero que meu teatrinho dê certo, preciso de alguém bastante vivo na minha frente, porque são assim que as fantasias funcionam, não é?

Eu reconheço que no momento que me posiciono diante da pessoa, tudo aquilo parece, sim, um pouco artificial. Mas assim que começo a falar, me sinto imersa numa conversa real: sorria se digo coisas alegres, fico um pouco irritada quando lembro das desgraças da vida, dou uma piscadinha se conto um segredo e fico mexendo no cabelo quando estou interessada na pessoa. Ruim é quando a pessoa sai da catatonia dela antes de eu terminar minha história. Grito, abano os braços, fico pulando e implorando que me deixe pelo menos terminar o pensamento, a história já está no final, por favor, gostei tanto de você, não me deixe aqui sozinha... Mais um que vai embora. Paciência. Assim com a mesma facilidade com que a pessoa desperta da catatonia, eu desperto da minha ilusão de conversa com os vivos. No final, acabo sempre ficando zomza e sem rumo certo, como um gato recém descido de uma cadeira gira-gira (sério, não tentem isso com os gatos de vocês). 

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