domingo, 18 de janeiro de 2015

Agente da Paranoia II

As pessoas se amontoavam na rua para ver o que tinha acontecido. Dezenas de populares formavam um círculo procurando qualquer pista que tivesse: aconteceu um acidente? alguém foi atropelado? alguma morte? sangue? A rua estava tomada pelas pessoas e a ambulância não conseguia chegar até o local. Tipo de bagunça comum numa tarde de domingo em cidade grande. Jorge também teve curiosidade e chegou perto para averiguar. Fez apenas um esforço mínimo. Ao sair da confusão, olhando para trás, esbarrou numa moça que passava apressada. Derrubou todas as suas coisas. Por "coisas" diga-se: um caderno, umas dez folhas com desenhos -- que agora estavam espalhadas pelo chão -- e duas canetas vermelhas. 

Jorge não saberia descrever a expressão dela. Ela uma mistura de surpresa e raiva. Talvez ainda tivesse um pouco de indignação e frustração. Em todo caso, não era uma cara muito boa. A dele não era melhor. Jorge, por alguns momentos, ficou paralisado, sem saber o que dizer ou fazer. Foi o tempo que ele precisou para analisar a situação e o estrago que havia feito. 

Só então ele ajudou a moça recolher os papéis. Eram desenhos feitos com caneta vermelha, desenhos de uma pessoa, desenhos de um cara. Um ex-namorado, talvez, pensou Jorge. Ele não teve coragem de olhar nos olhos da garota ao entregar os papéis, com medo que ela cuspisse em seu rosto ou fizesse algo agressivo do tipo. Quando todos os papéis estavam recolhidos, Jorge finalmente a observou com calma: olhos grandes e escuros, cabelos castanhos-escuros até os ombros, corpo bastante magro, parecendo frágil, quase doente e um semblante jovem. Não era bonita. E, na verdade, nem precisa ser. Não precisava ser mais nada: não era importante sua personalidade, seu caráter, o seu jeito de falar, se o cara dos desenhos ainda era o seu namorado, nada importava. 

Jorge só queria conversar com ela. Mais do que isso: ele precisava conversar com ela. E foi assim que, sem jeito, pediu desculpas. Ela disse que estava tudo bem, sem nem ao menos olhar para ele. Jorge perguntou se poderia saber o nome dela. Alana, ela respondeu. Então ele perguntou se havia algo que ele pudesse fazer para diminuir a raiva que ela estava sentindo dele naquele momento. "Deu para perceber que eu estou bastante irritada, né? Mas não se preocupe que a culpa não é sua", e finalmente sorriu. Disse novamente que estava tudo bem e, para a frustração dele, ela apenas continuou seu rumo, como se nada demais tivesse acontecido, como se nem devesse estar ali. 

Não havia nada que ele pudesse fazer. Ela não queria ficar ali, não queria conversar e provavelmente estava bastante irritada. "Mesmo que ela me visse de novo, só iria querer ir para longe de mim o mais rápido possível", Jorge pensou. "Não tem jeito, ela vai ser apenas mais um devaneio da minha vida". Quando ia retomar seu caminho, ele viu que a finalmente a ambulância havia conseguido chegar até o local do acidente e os paramédicos recolhiam o corpo envolvido. Um carro havia atropelado uma pessoa na rua. A vítima: um corpo feminino bastante magro, parecendo frágil, quase doente, com um semblante jovem e com cabelos castanhos-escuros que iam até os ombros. Era ela. Alana estava indo embora, morta, carregada pelos paramédicos, enquanto a multidão se dispersava. Jorge correu até o local do acidente e, entre o sangue que manchava o asfalto, estava espalhado pelo chão um caderno, duas canetas vermelhas e umas dez folhas com o rosto de um homem desenhado. 

Jorge sorriu e disse: 

-- Pelo menos a culpa não foi minha. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário