terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Agente da paranoia III

Caroline tinha 22 anos e ainda morava com os pais. À primeira vista, não havia nada de especial nela, nada que merecesse ser destacado. Não fazia trabalho voluntário, nunca tinha ido doar sangue e tava cagando para esse papo de política. Típica patricinha moradora de condomínio, se não fosse por um gosto bastante peculiar: toda noite ela gostava de passear sozinha pela praia, de ficar lá sem mais ninguém, e nem era para ficar chapada. Ela gostava de fazer desenhos na areia. Pegava uma vareta ou o galho de uma árvore e desenhava enormes círculos por toda a areia. Era para algum anjo poder ver lá de cima, ela dizia. Isso começou quando Caroline tinha 14 anos. Foi quando ela se descobriu um pouco diferente das demais garotas da sua idade. Foi como o despertar de uma nova personalidade: passou a ter pensamentos próprios, diferentes daqueles que tinham caído no seu colo ainda menina. Limpou a mente das antigas bobagem e começou a pensar por si própria. Descobriu que a vida poderia ser mais do era e apostou todas as suas fichas no amor. Definiu que amar daria sentido à sua vida. Na maioria das vezes, tropeçou em relacionamentos complicados. Namorou quatro vezes e amou apenas uma, o seu último namorado. Depois dele, decidiu ficar mais exigente, mas sem deixar de acreditar no amor. 

A jornada para chegar onde está hoje foi longa. Tornou-se cética e um pouco cínica com quase tudo. Acreditava apenas em anjos e em almas-gêmeas. Cética, porém carente. Pensava que sua alma-gêmea poderia estar em qualquer lugar, poderia aparecer em qualquer momento, a qualquer hora. Poderia ser qualquer um, acreditava nisso. Transformou isso num tipo de obsessão, ao ponto de reparar em todos que podia, nem que fosse por apenas alguns segundos. Seu principal ponto de observação era o ônibus lotado. Foi lá que ela conheceu seu último namorado, o único que realmente amou. Por isso, sempre que subia em um ônibus lotado, ficava nervosa. Poderia acontecer de novo, aqui nesse ônibus. Por que não? Quem disse que um raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar? 

Sua sensibilidade ia muito além dessa fixação com o amor. Em sua essência, ela era muito sensível. Sentia a dor das pessoas como se fosse nela mesma, como se as outras pessoas fossem partes dela. Embora nunca tenha feito nada a respeito disso, apenas suportava. Perdeu a virgindade cedo, aos 14 anos, com o primeiro namoradinho da escola. Queria que fosse especial, mas não foi. Assim é a vida, só isso, nada pode mudá-la radicalmente. Ela segue uma ordem, um destino. Foi então que começou a desenhar os círculos na areia da praia.  

Esse tipo de pensamento foi o que levou Carol - como todos a chamavam - a andar sem rumo pela orla à noite fazendo seus desenhos na areia. Ela gostava mais das noite de frio e de chuva, quando tudo estava mais deserto, quando não havia lá quase mais ninguém. Às vezes ela era confundida com uma prostituta, mas nem ligava para isso. Apenas ria e seguia seu caminho. Coragem ela tinha de monte. E é preciso muita coragem para andar assim pela praia quase deserta, no escuro e em meio à chuva. 

Ela esperava. Sentava na areia e tomava um ar. E então começava a fazer círculos e círculos na areia. Mesmo que nenhum anjo pudesse ver, mesmo que nada acontece, sentia que precisava continuar desenhando, como que por um desencargo de consciência. Às vezes se sentia meio burra, meio estranha, por que quem sabem anjos nem existissem e talvez ela só estivesse vendo filmes demais. Só que a busca dela ia além de contatos com anjos e de encontrar um grande amor. Carol queria pelo menos encontrar pistas, pistas de que existe algo maior do que ela. Aqueles desenhos poderiam não dar em nada, e provavelmente isso aconteceria, mas ela precisava acreditar que um arranjo cósmico semelhante ao que tomava conta de sua mente era possível também no mundo exterior, para que assim o mundo virasse um palco cheio de talentos e magia. Seus anjos e suas buscas pelo amor perfeito poderiam ser apenas uma desculpa para essa busca por algo maior e mais sublime. Um engodo criado para anestesiar, uma distração que pudesse conduzir até o objetivo verdadeiro: o inesperado que rompe o ciclo da vida. 

Ela estava nessa rotina desde os 14 anos até que o inesperado e a ruptura apareceram. Um daqueles homens nojentos que a tomavam por prostituta puxa seu braço na sua volta pra casa. Ele não era tão bonito, mas parecia confuso e muito, muito triste. Por alguma razão desconhecida Carol teve interesse. 

-- Pelo menos me diga o seu nome.

-- Meu nome é Escobar. 


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