quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Alana II

Os dois verbos preferidos de Alana eram amar e ser, mas ela não se dava conta que nunca os utilizava juntos na mesma frase. Com o primeiro ela podia falar de todas aquelas coisas que ela não vivia sem. Amava viagens de trem; amava rock inglês; amava beber vinhos antigos e ficar com a boca roxa; amava viajar; amava conhecer cidades e pessoas novas; amava ser livre para poder amar quem bem entendesse e pelo tempo que pudesse. Com o outro verbo, Alana -- com toda a segurança que ela fingia ter -- era. E ela era muito, era o máximo que podia ser, era de toda coração, era com toda a força do mundo, era tanto que era invejada por tanto ser ou por tanto ser sem ser. Alana ia sendo. Alana ia. 

O verbo ir pode não estar na lista de verbos preferidos de Alana, mas com certeza estava entre os mais conjugados por ela. Alana adorava falar que estava indo e que ia para onde bem entendesse. Alana não ficava, Alana ia. Ela gostava mesmo era de ir. Sempre dizia: me chama que eu vou. E lá ia Alana, às vezes nem precisava chamar, lá vai Alana, já foi Alana, de novo. 

Certo dia Alana se entregou a uma reflexão que teimava aparecer de vez em quando: ela nunca tinha dito em alta e bom som o verbo ser no presente do indicativo seguido pelo amor adjetivado no feminino na mesma frase: sou amada. A controvérsia era que Alana não amava ser e por não amar ser preferia ser o que não era de fato. E por não ser o que era de fato, Alana precisava sempre estar indo. E quem sempre está indo não fica, não para e não volta. E quem não fica, não para e não volta não se deixa amar e não é amado.   

Então decidiu voltar para o antigo endereço, para a casa que ela jurou há tempos não voltar mais. Era o único lugar que ela pensava que poderia ser e amar na mesma frase. Vestiu-se de si, por dentro e por fora, e foi pela última vez. Depois desse dia nunca soube de Alana e não sei sua reinvestida ao passado deu certo. O que sei é que aqui -- onde ela sempre passava quando estava indo a algum lugar, com as pernas firmes de quem sabe que tem que ir e os olhos marejados de quem não sabe para onde tem que ir -- ela não veio mais. 

Gosto de imaginar um final para Alana. Na minha imaginação, ela não esqueceu nunca mais que quem ama sem ser e quem é sem amar está sempre indo, indo para lugar nenhum. E na sua imaginação, o que acontece com Alana? 

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