Escobar entrou no ônibus que vai da Ipiranga até a João Pessoa. Passou pela catraca com um movimento maquinal e respirou o ar quente do ônibus lotado. Na calçada, o vai-e-vem das pessoas, contornos indecisos que se transformavam a cada instante. Essa é a vida, todo o resto é mentira. Grandes mentiras da civilização ocidental, a falsa e sórdida civilização dos filósofos. Tão evidente a mentira que bastava, por um segundo, encher os pulmões e o cérebro com o ar de um ônibus lotado para perceber. É mentira Hegel e sua dialética do senhor e do escravo. É mentira Derrida e seus sonhos malucos de multiplicidade. É mentira Agamben e o estado de exceção. É mentira Honneth e o capitalismo tardio. É mentira a moral provisória em Descartes. É mentira a noção de sabedoria prática em Epicuro. É mentira a dicotomia entre fato e valor em Putnam. É mentira Gadamer e o círculo hermenêutico. É mentira Kant e sua dignidade humana. É tudo mentira. É mentira o jogo estúpido das semanas acadêmicas. É mentira as publicações miseráveis nos periódicos científicos, como seus grosseiros títulos acadêmicos. É mentira a multiplicidade de problemas, de linhas de pesquisa, de teses e dissertações. É mentira os eventos acadêmicos organizados por estudantes de fala mansa e discursos da moda. Tudo uma grotesca mentira, habilmente dirigida. Professores, estudantes, bolsistas, orientadores, mestrandos, doutorandos, honestidade intelectual, homens e mulheres honestas... Escobar riu sem maldade nem ódio, enquanto olhava pela janela do T1 o céu luminoso.
O vento entrava pela janela aberta a acariciava seus cabelos como uma mão carinhosa. Sim, meu amigo, na filosofia não se vive. Se produz artigos, se ganha bolsas de pesquisa, se compra, se vende, mas não se vive. A verdade estava ali, naquele ônibus lotado. Escobar queria ter forças para fugir daquela vida, romper com ela para sempre. Reintegrando-se ao ônibus lotado, ao dia quente, ao céu azul. Ir arrancando-se aos poucos, dia a dia, jogando fora as coisas que a filosofia havia plantado em sua alma. E assim acordar em uma certa manhã intacto, puro e forte. Poder ser ele novamente. Recordar o Escobar da infância, sem metafísicas, sem falsos conceitos bonitos, sem influência, sem bibliografia. Limpa a cabeça e feliz o coração.
Isso era partir, ter a coragem de ir-se, romper com a vida estúpida e sem calor da acadêmia. As pessoas do ônibus, tão seguras, tão espontâneas, tão pessoas. E seus colegas apresentando trabalhos na PUC, aquelas gentes são animais melancólicos e covardes. Animais cansados e vencidos. Como cachorros castrados. E Escobar, que já começava a odiá-los, ria sem malícia. Por que não lhe ocorria mais do que palavras tristes para dizer o que queria? Seguiu junto a janela, com os braços cruzados, junto ao corpo. Desceu logo em seguida. Seguiu olhando as pessoas na rua, caminhando entre as sombras da tarde que caia. E não ouvia mais as mentiras. Nada. Só a suavidade do silêncio.
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