Deitado na cama, Escobar encarava um pedaço da parede branca. Aquela parede tão branca, tão fria e indiferente como um cadáver. Depois ele pensou na parede branca da biblioteca de seu orientador. Mais humana, menos parede. Com pinturas, fotografias e imagens. Na primeira vez que entrou ali, Escobar viu aquilo com um pouco de desgosto, mas logo foi se acostumando. Em pé, no quarto, Renata sem roupa se via no espelho. Pura e simples como um animal. "O que ela quer?" - chegou a se perguntar Escobar - "que bobagem, ela quer o que todos querem".
Renata quer o que todos querem. Todos menos aquela parede branca, morta e impessoal. Renata olhava para si no espelho e suspirava balançando negativamente a cabeça. Escobar pensava em seu orientador. Aquele rosto velho que expressava sempre uma sensação de cansaço, mas ainda assim alegre. Uma alegria que não se alcança pela reflexão, que não se chega pelas conclusões do pensamento. É preciso atirar-se de cabeça na fé. Aquele velho caminhava com passos lentos e cansados. Seu corpo expressava tanta entrega, tanto renunciamento, tanta vida que se perdeu. Seria aquele o seu futuro? É possível que ele se converta naquilo? Escobar sempre pensou que poderia modelar sua vida como bem quisesse. Mas e se ele estiver terrivelmente equivocado? Sendo razoável, essa é, sim, uma possibilidade. Agora mesmo, sem saber a razão, ele se encontrava cansado e abatido na cama. "Então é isso?".
Sim, é isso. Um professor dando lições de filosofia alemã, sabendo passagens de livros passo a passo, fingindo conformidade e satisfação. Escobar, dominado por um frio desespero, se viu tendo que pensar a sua vida nesse cenário, buscando, até com certa perversidade, a imagem que mais doía, a mais humilhante e ridícula no fantasma que é o homem em que ele se converteria. Lembrou dos anéis nos dedos, das pernas cruzadas, do relógio de ouro e do jeito de falar. Tudo isso teria ele? E também dos gestos repetitivos, quase mecânicos, da audácia nos olhos e, na boca, uma fala cheia de resignação. E esse era seu possível destino. Pensava na vida e não via mais do que fatalidade, como se seu cérebro tivesse apodrecido antes do corpo, como se uma força cega o obrigasse a continuar, a ler, a escrever, a envelhecer, a ir acumulando essas coisas, a sofrer, a gozar, a sentir tantas e tantas coisas distintas, algumas que nem o interessavam.
Se deteve um instante, fechando os olhos. Renata. Renata nua em pé em frente ao espelho, como se estivesse na coxia do teatro, enquanto ele na cama encarava a parede branca. Ele sabia que um dia iria enjoar-se dela. Mas ela era tão bonita, tão bonita. Sim, também era estúpida, um pouco vulgar, com uma maneira de se ver no espelho que dava nos nervos. Mas, no entanto, ainda assim, apesar de tudo, bonita. Sim, ele também sabia, estava sendo um idiota. Mas com ela, nada de dúvidas ou problemas filosóficos.
Levantou-se da cama e foi até a janela. O anoitecer escuro e frio. Sentiu a noite fresca e calma. E ouviu renata falar:
- Às vezes, durante a noite, eu me lembro de coisas de quando eu era menina.
Escobar estremeceu, pois sabia que qualquer coisa que ela dissesse não cairia bem em seu estado de ânimo.
- Não é nada demais. Só queria sentir aquilo de novo. O medo da noite e o mistério da noite. Isso a gente perde quando cresce. Hoje a noite não me dá mais medo. Mas quando anoitece e eu estou sozinha, me vem um desalento. Uma coisa que eu não sei o que é. É como se gelasse todo o meu sangue.
Escobar se deteve um instante na janela. "É como se gelasse o meu sangue". Idêntico desalento às vezes toma conta do seu corpo. Aos poucos, livre da influência das angústias de Renata, Escobar voltou a ver seu futuro como professor de filosofia, entrando em uma sala de aula cheio de livros embaixo dos braços. Renata estava ali, no quarto, com os olhos amáveis e a boca sorridente. Tentava sentir o parentesco humano que o unia aquela mulher e só sentia que eram pessoas distintas, sem mais em comum do que sentir o sangue gelar às vezes. Às vezes eles sentiam coisas parecidas, mas ela nunca seria capaz de entender nada de seus medos, de seus sonhos, de seus ódios, de sua vontade brutal de ser ele mesmo e não uma cópia de seu orientador, de sua busca apaixonada por um espaço no qual ele poderia se expressar completamente. Pensou em como seria fácil estrangular ela ali mesmo, ou lhe dar uma bofetada, mas sentiu nojo de si mesmo por considerar machucar aquele rosto tão bonito.
Depois voltou para a cama. Renata. Será que ele suportaria duas semanas sem vê-la? Escobar voltou a encarar o pedaço da parede branca.
Sim, é isso. Um professor dando lições de filosofia alemã, sabendo passagens de livros passo a passo, fingindo conformidade e satisfação. Escobar, dominado por um frio desespero, se viu tendo que pensar a sua vida nesse cenário, buscando, até com certa perversidade, a imagem que mais doía, a mais humilhante e ridícula no fantasma que é o homem em que ele se converteria. Lembrou dos anéis nos dedos, das pernas cruzadas, do relógio de ouro e do jeito de falar. Tudo isso teria ele? E também dos gestos repetitivos, quase mecânicos, da audácia nos olhos e, na boca, uma fala cheia de resignação. E esse era seu possível destino. Pensava na vida e não via mais do que fatalidade, como se seu cérebro tivesse apodrecido antes do corpo, como se uma força cega o obrigasse a continuar, a ler, a escrever, a envelhecer, a ir acumulando essas coisas, a sofrer, a gozar, a sentir tantas e tantas coisas distintas, algumas que nem o interessavam.
Se deteve um instante, fechando os olhos. Renata. Renata nua em pé em frente ao espelho, como se estivesse na coxia do teatro, enquanto ele na cama encarava a parede branca. Ele sabia que um dia iria enjoar-se dela. Mas ela era tão bonita, tão bonita. Sim, também era estúpida, um pouco vulgar, com uma maneira de se ver no espelho que dava nos nervos. Mas, no entanto, ainda assim, apesar de tudo, bonita. Sim, ele também sabia, estava sendo um idiota. Mas com ela, nada de dúvidas ou problemas filosóficos.
Levantou-se da cama e foi até a janela. O anoitecer escuro e frio. Sentiu a noite fresca e calma. E ouviu renata falar:
- Às vezes, durante a noite, eu me lembro de coisas de quando eu era menina.
Escobar estremeceu, pois sabia que qualquer coisa que ela dissesse não cairia bem em seu estado de ânimo.
- Não é nada demais. Só queria sentir aquilo de novo. O medo da noite e o mistério da noite. Isso a gente perde quando cresce. Hoje a noite não me dá mais medo. Mas quando anoitece e eu estou sozinha, me vem um desalento. Uma coisa que eu não sei o que é. É como se gelasse todo o meu sangue.
Escobar se deteve um instante na janela. "É como se gelasse o meu sangue". Idêntico desalento às vezes toma conta do seu corpo. Aos poucos, livre da influência das angústias de Renata, Escobar voltou a ver seu futuro como professor de filosofia, entrando em uma sala de aula cheio de livros embaixo dos braços. Renata estava ali, no quarto, com os olhos amáveis e a boca sorridente. Tentava sentir o parentesco humano que o unia aquela mulher e só sentia que eram pessoas distintas, sem mais em comum do que sentir o sangue gelar às vezes. Às vezes eles sentiam coisas parecidas, mas ela nunca seria capaz de entender nada de seus medos, de seus sonhos, de seus ódios, de sua vontade brutal de ser ele mesmo e não uma cópia de seu orientador, de sua busca apaixonada por um espaço no qual ele poderia se expressar completamente. Pensou em como seria fácil estrangular ela ali mesmo, ou lhe dar uma bofetada, mas sentiu nojo de si mesmo por considerar machucar aquele rosto tão bonito.
Depois voltou para a cama. Renata. Será que ele suportaria duas semanas sem vê-la? Escobar voltou a encarar o pedaço da parede branca.
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