domingo, 13 de julho de 2014

V de Vampiro

Depois da meia-noite é a noite inteira. A hora viva sem luz do sol é quando os ratos e as baratas já podem andar sobre os pratos sujos esquecidos na mesa de jantar, os grilos podem cantar sem timidez e os cães  abandonados devoram restos de carniças pelas calçadas das avenidas centrais. É aí que o sino da igreja não toca para mais ninguém. As nuvens não fazem mais sombra. É a hora sem sombra que também é a hora mais sombria. Tudo aqui é assombrado. O valor do dinheiro deixa de brilhar, as poças da rua não refletem a luz da lua e as pessoas se camuflam e se transformam em partes da noite. Essa é a hora e as vez dos esquecidos, quando vem à tona tudo o que não é certo; é o tempo das verdades desveladas. Aqui nessa hora não há cansaço e nem esperança: só exaustão e agonia. Os zumbis com dentes de morcegos, vencidos pelo tédio, são obrigados pela noite a satisfazerem seus instintos. E são muitos e muitos os que saciam os seus impulsos sem questioná-los. Há um despertador em cada uma dessas criaturas, e todos tocam o alarme da fome. E eles saem, como zumbis, atrás de sangue. Perambulam pela noite atrás da carne preferida. E como quem corre contra o tempo, eles tem pressa em sua caçada. Mas, inteligentes como um gato frente ao rato acurralado, eles sabem aguardar o precioso momento do bote. Enquanto aguarda, o caçador morto-vivo estuda com precisão milimétrica os traços da caça: como ela se comporta, seus medos, seus contornos, seu sangue correndo pelas veias, sua pela macia e fresca, pronta para ser mordida. Mas esses homens morcegos ainda possuem o dom da linguagem e usam a palavra como flecha. São sedutores e usam as palavras para distrair e atrair a presa. E esse zumbi com dentes de morcego sorri frases doces para seu alvo. E com muito talento, ele faz com que a caça queira ser a presa em suas mãos. Como um menino sonâmbulo, eles deseja, sonha, projeta e realiza. A caça inclina seu torso e o zumbi morcego lhe toma o corpo. E depois a alma. Agora o corpo e a alma do caçado são do caçador. O sonâmbulo, o morcego, o zumbi: o vampiro. E o corpo caçado vai sendo devorado boca a dentro. A boca se abre e se faz porta para o sangue que entra. E outros caçadores, outros zumbis, outros morcegos famintos ficam com inveja e com vontades e também querem ceder ao impulso que precisa ser saciado.  

Dedicado a Angel Angelus 

Nenhum comentário:

Postar um comentário