A julgar pelo seu aspecto, o gato que espia as ruas da CB pela janela do apartamento vive bem. Ninguém sabe bem por quê. É bem provável que o gato apenas gosta de estar vivo. As condições de vida do gato, segundo o seu próprio ponto de vista, são satisfatórias.
É difícil analisar fenologicamente a paz de espírito de um gato. No entanto, cor que se observa na superfície das coisas vivas pode servir de parâmetro para um começo.
O gato está cada dia mais amarelo. E ainda que o amarelo na bandeira do Brasil simbolize o ouro e as riquezas materiais, e ainda que o amarelo do gato o faça parecer reluzente e vivo, e ainda que o gato viva no Brasil, o gato não escolheu a cor que tem e, logo, sua tonalidade não significa nada. A cor amarela do gato diz respeito unicamente ao seu estar-jogado-no-mundo: se vive bem, se está feliz, o gato fica mais amarelo.
O gato na janela cresce em direção às ruas movimentas da CB. Isso significa que ele está cada vez mais inclinado para fora da janela e do apartamento. Isso significa que o gato se importa, ainda que discretamente, com o lado de fora do apartamento.
Dizer que o gato cresce em direção às ruas é importante porque existem coisas que crescem para outras direções. As raízes, por exemplo, crescem em direção ao fundo da terra. As árvores crescem em direção ao sol. Já os fios elétricos dos postes de luz crescem para os lados sobre as nossas cabeças.
Um dia sem nada para fazer o dono do apartamento fotografa o gato com o celular. Algum tempo depois toma um susto ao encontrar a foto nos arquivos. O susto ocorre porque o gato era muito pequeno no dia que a foto foi tirada. Mas, principalmente, o susto se dá porque o dono do apartamento não viu o momento exato em que o gato cresceu. E o gato cresceu. Cresceu em direção às ruas da CB.
É inútil argumentar contra o crescimento de um gato, assim como é inútil se espantar com a diferença em seu tamanho em um dado intervalo de tempo. Um gato cresce. Um gato vivo cresce porque precisa crescer. Se não cresce é porque está morto e, dessa forma, não é um gato vivo. Para todo gato vivo: um crescimento. Esse gato cresce em direção às ruas da CB.
Um gato recém morto ainda é um gato. No entanto, em poucos dias entrará em decomposição e deixará de ser um gato. Por isso é importante saber que quando se lê "gato" nesse esboço fenomenológico deve-se ter em mente um gato vivo.
Não se pode notar o crescimento do gato. O que se pode fazer é comparar o tamanho do gato hoje com o tamanho do gato em uma foto antiga em que o mesmo gato apareça. É importante que seja o mesmo gato. Seria ridículo querer comparar o tamanho de um gato usando a foto de outro gato. Mas também é impossível observar em tempo real o movimento crescente de um gato vivo.
Quem não é um gato que espia apela janela de um apartamento as ruas da CB não tem direito de ficar sua existência inteira sem fazer nada enquanto acontece o próprio crescimento. Nesse caso o que se pode fazer é ficar entediado e fotografar o gato com o celular. No entanto, a foto retrata o estado atual do gato e não o processo de desenvolvimento pelo qual o gato passa. O pensamento não vê mas ele deduz: o gato cresce.
Essa conclusão do pensamento é inobservável. Porém o pensamento pode provar que o gato cresce. Basta recorrer às técnicas científicas com seus procedimentos forjados em laboratórios. O olho nu é incapaz de ver o gato crescer, mas ele cresce.
A foto antiga do gato pode ser uma prova empírica do crescimento do gato. No entanto, ela precisa passar por uma rigorosa análise para se saber se não sofre de alguma fraude. O dono do apartamento sabe que a foto antiga do gato não foi alterada. A foto antiga do gato não é uma fraude. O gato cresce. Mesmo que ninguém veja. Cresce para fora do apartamento. Cresce em direção às ruas da CB.
O gato está na janela. Mas o gato está na janela assim como a tela está na janela? O gato está na janela mas parte dele não está mais na janela. e isso porque o gato cresce para fora da janela.
O gato quando escuta alguma coisa vindo lá de fora se inclina na janela e parece que tem intenções suicidas. Porém é o oposto o que ocorre: é uma vontade de viver mais e melhor. E isso não quer dizer que o risco de morte não exista. Por isso são importantes as telas na janela do gato.
O sujeito que é capaz de deduzir o crescimento do gato também é capaz de deduzir que o gato gosta de viver. Ele pensa que talvez haja uma justificativa para o gato se inclinar tanto para fora da janela e essa razão não é dar fim a si mesmo.
Embora o gato olhe tanto para as ruas do lado de fora da janela, é mais provável que seu desejo seja viver mais e melhor e não se matar. Senão ele não estaria cada dia mais amarelo. É o impulso de viver mais e melhor que leva o gato a se arriscar tanto na janela olhando para as ruas da CB.
O gato até gostaria de passar pelas telas e escapar. Ele quer ficar mais e mais perto das ruas. O gato não quer mais viver apenas dentro do apartamento. O gato cresce para o lado de fora. O gato tem esperança e está motivo. Por isso o gato está feliz e amarelo. O gato está cada dia mais perto de salta e por isso vive cada dia mais e melhor. No entanto, se tudo continuar como está, o gato nunca irá fugir.
Em todo caso, uma possibilidade de viver mais e melhor chama o gato para as ruas da CB.