Esta chuva de final de carnaval, esta chuva de arrepios, aqui tão perto deste apartamento quase vazio. Escuto os pingos na lata dos carros estacionados lá fora. Não há nitidez, nada é uma certeza. Me sinto mais cansado do que um velho. Não devemos querer segurar para sempre os segundos. Que passem. Eternidade é o que vai e some. No agora, eu esqueço. Esquecer é o jeito benjaminiano de guardar. Esses dias, no caminho do mercado, eu pensei comigo que todas as pessoas da rua tinham um sorriso no canto dos lábios, tipo um deboche coletivo. Amanhece, é dia. Pessoas, nas ruas, com os olhos abertos. Lanternas que procuram na escuridão. Quem anda por essas ruas? Quem já andou por essas ruas antes dessas ruas serem essas ruas? Imagine que bonito é vender assim suas certezas à filosofia de uma mosca verdejando vermes sobre uma carniça podre. Imagine que bonito, imagine que triste. Eu tenho um amigo monstro morando comigo no apartamento quase vazio. Ela anda agitado e fazendo barulho. Acredito que alguém levou as correntes por engano. Ou era você o tempo todo que o segurava com as duas mãos. Não sei bem o que aconteceu, mas agora ele está solto aqui dentro. E eu estou fraco. Outro dia eu fiquei com raiva só por sentir o cheiro da cidade no final da tarde. Era uma mistura de fumaça, terra e chuva. Eu não sei como o monstro veio parar aqui. Eu às vezes fico tão cheio de tudo de todos e de mim. Da cordialidade das pessoas na rua, dos livros chatos e das conversas vazias. Estou de mãos dadas com meu amigo monstro. Lutar seria uma luta inglória. Vou queimar todos os meus passaportes falsos de fuga. Vou ser detido na alfandega por tentar fugir do país sem os meus olhos. E com o coração numa maleta preta. Porque hoje eu sinto nojo de cada um dos seus charmes. E escrevi esse post para você. Para você cortar os pulsos.
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