Princesa Uno era a bela e pura princesa do reino Lebenswelt. Seu principal passatempo era passear pela floresta, conversar com os animais, fazer amigos no bosque, abraçar uma ou outra árvore e citar Oscar Wilde em momentos inesperados. Então ela abraçava um tronco, respirava fundo o ar puro do bosque e exclamava: huuuuuuumm pelos deuses, que cheirinho bom de natureza!
O que a doce princesa Uno não sabia é que a rainha Sylvia, sua madrasta, já estava de saco cheio de sua beleza e de sua mania de citar Oscar Wilde no meio do jantar para mostrar ironia e erudição, e por isso fez um acordo com um assustador espírito da floresta para matar a jovem princesa. Assim, um belo dia, Uno estava saltitando e cantando pelo bosque com seus amigos animais quando viu que, encostado sob a sombra de um salgueiro, estava sentando um mendigo todo maltrapilho. Ouvindo os passos e a cantoria da jovem, o mendigo dá um salto, parando em pé, na frente da princesa.
-- Olá, bela princesa, como você está? -- disse o mendigo se curvando em reverência.
-- O que quereis comigo, ó seu mendigo? Todo o reino já sabe muito bem que eu não suporto mendigos. Tenho ojeriza à plebe e só no ato de senti-lo à tão perto assim de mim já posso sentir o cheiro insuportável desse seu saco que não deve ser lavado há décadas! Pois então diga logo, mendigo, o que quereis com a vossa princesa. Quero logo me afastar desse seu semblante escroto para o resto de minha vida.
-- Primeiramente, minha princesa, gostaria de dizer que não sou um mendigo e sim um cidadão legítimo do reino em condição de morador de rua. Depois gostaria de dizer que sinto orgulho em não ser um nobre e em pertencer à plebe, pois assim não sou um escravo do dinheiro.
-- Ora, senhor mendigo, eu, assim como o Wilde, quando jovem pensava que dinheiro era tudo o que importava. Hoje, tenho certeza.
O mendigo se espantou um pouco pela citação forçada de Oscar Wilde feita pela princesa, mas seguiu a conversa:
-- Ó que os deuses me abençoaram com a oportunidade de presenciar a princesa realizando suas famosas e espirituosas citações de Oscar Wilde! Sinto que mais nada posso lhe pedir, nobre princesa, mas gostaria tanto de uma moeda de ouro para comprar uma pedra de crack.
Depois o mendigo estendeu a mão suja de modo que a princesa pudesse depositar nela uma moeda de ouro.
-- Ah, então é ouro que queres? Pois vá carpir um lote, recolher um lixo, vá trabalhar, velho insolente. Apenas não esqueça, pobre mendigo: deve-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência -- disse a princesa Uno antes de seguir com seu passeio pelo bosque.
Enquanto a princesa se afastava, aos poucos o mendigo foi sendo envolvido por uma fumaça negra e revelando-se um ser horrível e cruel, cuja face exibia um sinistro sorriso de intensões malignas. "Preciso avisar a rainha que o trabalho foi feito" -- pensou a sombria criatura.
Chegando ao castelo, a princesa Uno estava muito pálida e começou a passar muito mal, sentiu forte dores de barriga, revertérios e tremeliques por todo o corpo. Minutos depois já estava deitada na cama, toda coberta de suor, pronta para o pior e matando o rei Ziles de preocupação.
-- Você vai sair dessa minha filha, você vai viver -- disse o rei de joelhos ao pé da cama.
-- Viver é a coisa mais rara que existe, papai, pois a maioria das pessoas apenas existe.
-- Minha filha está doente e pode morrer, pelos deuses. Guardas, chamem o curandeiro Silas, o mais sábio médico e padeiro do reino. Só ele poderá salvar a minha Uno.
Chegando nos aposentos da princesa, o curandeiro Silas bateu o olho na moça doente e logo exclamou:
-- Pelos Deuses, meu amado rei! Estamos diante de uma maldição de algum espírito zombeteiro da floresta. Queridão, sua filha está sob encantamento de um poderoso espírito que viva na parte negra da floresta.
-- Vixe, então já era.
-- Calma, meu adorado e bom rei! Eu tenho a solução. Precisamos apenas encontrar o espírito zombeteiro. E depois precisamos colher a espiga do milho verde plantado por virgens cegas no alto da Colina da Morte, para descascar o milho e tecer uma corda com a palha. Depois devemos enforcar o espírito na palha do milho verde plantado pelas virgens cegas da alto da Colina da Morte. Assim o feitiço será desfeito. Mas temos que ser rápidos, amigo rei, pois temo que vossa filha tenha apenas mais 24 horas de vida.
-- Uai, se é só isso, então é fácil. Mandem chamar o matador de dragões Aramis e digam que se ele encontrar o espírito da floresta, a espiga de milho e salvar minha filha, ele irá casar com ela e será o novo príncipe.
Com a velocidade de um raio, o valente Aramis chegou ao castelo e já foi logo falando para o rei:
-- Majestade, não tenho dúvidas de que se trata de um feitiço do perigoso espírito zombeteiro Botumba. Pegarei o milho, farei a corda, enforcarei Botumba e casarei com sua doce filha.
O problema era que Botumba era apenas um velho maluco que nunca tinha feito mal a ninguém, mas que gostava de exibir o seu pênis para as donzelas do reino em dias de festa e de morder as coxas das prostitutas dos bordéis. Isso irritava profundamente Aramis, que há um bom tempo procurava uma desculpa para dar um corretivo no velho Botumba.
As 24 horas restantes de vida da princesa Uno já estavam esgotando quando Aramis entra no castelo segurando uma corda feita de palha de milho e com o velho Botumba como prisioneiro. Sem pestanejar, o rei enforcou o velho ali mesmo no corredor e correu ver como se filha estava recuperada. Nadica de nada. A princesa seguia suando frio em seu leito de flores, a um passo da morte.
-- Maldito Aramis, saia daqui agora e só me volte quando estiver encontrado o verdadeiro espírito da floresta, ou o enforcado será você.
Aramis, desesperado, saiu pelas ruas do reino enforcando todos os velhos que encontrava (ele não curtia velhos) e todas as outras pessoas com cara de espírito da floresta, pois não dava tempo de perguntar para cada pessoa se ela era uma pessoa normal ou um espírito zombeteiro da floresta. Ao cair a noite, o corajoso Aramis voltou ao castelo, desiludido por ter dizimado quase que toda a população do reino e necas da princesa ter qualquer melhora. Vendo que a doce princesa estava virada num sabugo estropiado de doente, toda ferrada e quase sem chances, Aramis reparou como o rei Ziles já era um homem velho. Sem pensar duas vezes, pegou a corda mágica feita com a palha do milho verde plantado pelas virgens cegas do alto da Colina da Morte e enforcou o rei.
Novamente a princesa não deu nenhum sinal de melhora. Tomado pelo desespero, Aramis olhou para o lado e viu que só ele e a princesa estavam no quarto. Foi então que pensou "bem, entre eu e ela, eu tenho mais cara de espírito zombeteiro da floresta", ajeitou a forca no teto e se suicidou ao lado do corpo do rei.
Dois dias depois outro médico foi consultado e foi descoberto que a princesa Uno estava apenas com um resfriado. O curandeiro Ziles foi condenado à forca e, duas semanas depois, a princesa Uno cortou os pulsos de tanto remorso e morreu. Todos os demais foram felizes para sempre.
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