terça-feira, 26 de novembro de 2013

A propósito da semana acadêmica

Escobar entrou no ônibus que vai da Ipiranga até a João Pessoa. Passou pela catraca com um movimento maquinal e respirou o ar quente do ônibus lotado. Na calçada, o vai-e-vem das pessoas, contornos indecisos que se transformavam a cada instante. Essa é a vida, todo o resto é mentira. Grandes mentiras da civilização ocidental, a falsa e sórdida civilização dos filósofos. Tão evidente a mentira que bastava, por um segundo, encher os pulmões e o cérebro com o ar de um ônibus lotado para perceber. É mentira Hegel e sua dialética do senhor e do escravo. É mentira Derrida e seus sonhos malucos de multiplicidade. É mentira Agamben e o estado de exceção. É mentira Honneth e o capitalismo tardio. É mentira a moral provisória em Descartes. É mentira a noção de sabedoria prática em Epicuro. É mentira a dicotomia entre fato e valor em Putnam. É mentira Gadamer e o círculo hermenêutico. É mentira Kant e sua dignidade humana.  É tudo mentira. É mentira o jogo estúpido das semanas acadêmicas. É mentira as publicações miseráveis nos periódicos científicos, como seus grosseiros títulos acadêmicos. É mentira a multiplicidade de problemas, de linhas de pesquisa, de teses e dissertações. É mentira os eventos acadêmicos organizados por estudantes de fala mansa e discursos da moda. Tudo uma grotesca mentira, habilmente dirigida. Professores, estudantes, bolsistas, orientadores, mestrandos, doutorandos, honestidade intelectual, homens e mulheres honestas... Escobar riu sem maldade nem ódio, enquanto olhava pela janela do T1 o céu luminoso. 

O vento entrava pela janela aberta a acariciava seus cabelos como uma mão carinhosa. Sim, meu amigo, na filosofia não se vive. Se produz artigos, se ganha bolsas de pesquisa, se compra, se vende, mas não se vive. A verdade estava ali, naquele ônibus lotado. Escobar queria ter forças para fugir daquela vida, romper com ela para sempre. Reintegrando-se ao ônibus lotado, ao dia quente, ao céu azul. Ir arrancando-se aos poucos, dia a dia, jogando fora as coisas que a filosofia havia plantado em sua alma. E assim acordar em uma certa manhã intacto, puro e forte. Poder ser ele novamente. Recordar o Escobar da infância, sem metafísicas, sem falsos conceitos bonitos, sem influência, sem bibliografia. Limpa a cabeça e feliz o coração. 

Isso era partir, ter a coragem de ir-se, romper com a vida estúpida e sem calor da acadêmia. As pessoas do ônibus, tão seguras, tão espontâneas, tão pessoas. E seus colegas apresentando trabalhos na PUC, aquelas gentes são animais melancólicos e covardes. Animais cansados e vencidos. Como cachorros castrados. E Escobar, que já começava a odiá-los, ria sem malícia. Por que não lhe ocorria mais do que palavras tristes para dizer o que queria?  Seguiu junto a janela, com os braços cruzados, junto ao corpo. Desceu logo em seguida. Seguiu olhando as pessoas na rua, caminhando entre as sombras da tarde que caia. E não ouvia mais as mentiras. Nada. Só a suavidade do silêncio. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A angústia da influência

Deitado na cama, Escobar encarava um pedaço da parede branca. Aquela parede tão branca, tão fria e indiferente como um cadáver. Depois ele pensou na parede branca da biblioteca de seu orientador. Mais humana, menos parede. Com pinturas, fotografias e imagens. Na primeira vez que entrou ali, Escobar viu aquilo com um pouco de desgosto, mas logo foi se acostumando. Em pé, no quarto, Renata sem roupa se via no espelho. Pura e simples como um animal. "O que ela quer?" - chegou a se perguntar Escobar - "que bobagem, ela quer o que todos querem". 

Renata quer o que todos querem. Todos menos aquela parede branca, morta e impessoal. Renata olhava para si no espelho e suspirava balançando negativamente a cabeça. Escobar pensava em seu orientador. Aquele rosto velho que expressava sempre uma sensação de cansaço, mas ainda assim alegre. Uma alegria que não se alcança pela reflexão, que não se chega pelas conclusões do pensamento. É preciso atirar-se de cabeça na fé.  Aquele velho caminhava com passos lentos e cansados. Seu corpo expressava tanta entrega, tanto renunciamento, tanta vida que se perdeu. Seria aquele o seu futuro? É possível que ele se converta naquilo? Escobar sempre pensou que poderia modelar sua vida como bem quisesse. Mas e se ele estiver terrivelmente equivocado? Sendo razoável, essa é, sim, uma possibilidade. Agora mesmo, sem saber a razão, ele se encontrava cansado e abatido na cama. "Então é isso?".

Sim, é isso. Um professor dando lições de filosofia alemã, sabendo passagens de livros passo a passo, fingindo conformidade e satisfação. Escobar, dominado por um frio desespero, se viu tendo que pensar a sua vida nesse cenário, buscando, até com certa perversidade, a imagem que mais doía, a mais humilhante e ridícula no fantasma que é o homem em que ele se converteria. Lembrou dos anéis nos dedos, das pernas cruzadas, do relógio de ouro e do jeito de falar. Tudo isso teria ele? E também dos gestos repetitivos, quase mecânicos, da audácia nos olhos e, na boca, uma fala cheia de resignação. E esse era seu possível destino. Pensava na vida e não via mais do que fatalidade, como se seu cérebro tivesse apodrecido antes do corpo, como se uma força cega o obrigasse a continuar, a ler, a escrever, a envelhecer, a ir acumulando essas coisas, a sofrer, a gozar, a sentir tantas e tantas coisas distintas, algumas que nem o interessavam.

Se deteve um instante, fechando os olhos. Renata. Renata nua em pé em frente ao espelho, como se estivesse na coxia do teatro, enquanto ele na cama encarava a parede branca. Ele sabia que um dia iria enjoar-se dela. Mas ela era tão bonita, tão bonita. Sim, também era estúpida, um pouco vulgar, com uma maneira de se ver no espelho que dava nos nervos. Mas, no entanto, ainda assim, apesar de tudo, bonita. Sim, ele também sabia, estava sendo um idiota. Mas com ela, nada de dúvidas ou problemas filosóficos.

Levantou-se da cama e foi até a janela. O anoitecer escuro e frio. Sentiu a noite fresca e calma. E ouviu renata falar:

- Às vezes, durante a noite, eu me lembro de coisas de quando eu era menina.

Escobar estremeceu, pois sabia que qualquer coisa que ela dissesse não cairia bem em seu estado de ânimo.

- Não é nada demais. Só queria sentir aquilo de novo. O medo da noite e o mistério da noite. Isso a gente perde quando cresce. Hoje a noite não me dá mais medo. Mas quando anoitece e eu estou sozinha, me vem um desalento. Uma coisa que eu não sei o que é. É como se gelasse todo o meu sangue.

Escobar se deteve um instante na janela. "É como se gelasse o meu sangue". Idêntico desalento às vezes toma conta do seu corpo. Aos poucos, livre da influência das angústias de Renata, Escobar voltou a ver seu futuro como professor de filosofia, entrando em uma sala de aula cheio de livros embaixo dos braços. Renata estava ali, no quarto, com os olhos amáveis e a boca sorridente. Tentava sentir o parentesco humano que o unia aquela mulher e só sentia que eram pessoas distintas, sem mais em comum do que sentir o sangue gelar às vezes. Às vezes eles sentiam coisas parecidas, mas ela nunca seria capaz de entender nada de seus medos, de seus sonhos, de seus ódios, de sua vontade brutal de ser ele mesmo e não uma cópia de seu orientador, de sua busca apaixonada por um espaço no qual ele poderia se expressar completamente. Pensou em como seria fácil estrangular ela ali mesmo, ou lhe dar uma bofetada, mas sentiu nojo de si mesmo por considerar machucar aquele rosto tão bonito.

Depois voltou para a cama. Renata. Será que ele suportaria duas semanas sem vê-la? Escobar voltou a encarar o pedaço da parede branca. 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

CHAT FILOSOFIA - SALA: FILOSOFIA BRASILEIRA

SALA: FILOSOFIA BRASILEIRA (1)

Luiz Felipe Pondé entra na sala.

Márcia Tiburi entra na sala.

Paulo Ghiraldelli Jr entra na sala. 

Olavo de Carvalho entra sala. 

Ernildo Stein entra na sala. 

Ernildo Stein fala com todos : Olá pessoal alguém quer conversar sobre a possibilidade de se traduzir o on aristotélico por ser ao invés de ente?

Luiz Felipe Pondé fala Ernildo Stein: Esse tema é muito chato. Não rende muito. 

Márcia Tiburi fala com todos: Concordo. Vamos falar sobre o aborto. O aborto é um dos temas mais populares na nossa sociedade patriarcal e no entanto a filosofia muito pouco fala sobre ele. 

Ernildo Stein sai da sala. 

Marilena Chauí entra na sala.

Luiz Felipe Pondé fala com todos: Sou contra o aborto. Na dúvida de saber quando se começa a vida, prefiro não correr o risco de matar ninguém. 

Márcia Tiburi fala irritada com Luiz Felipe Podé: Se o homem ficasse grávido, o aborto não seria ilegal!!!!

Marilena Chauí grita para todos: Sem útero, sem opinião!!!!

Luiz Felipe Pondé fala com Marilena Chauí: Vale lembrar que a mulher não faz o filho sozinha, então não vejo razão para o homem não poder participar do debate.

Márcia Tiburi: fala com Luiz Felipe Pondé: Porque o corpo não é dele, porque ele não tem cólica menstrual, porque ele não carrega a criança noves meses na barriga. São bons motivos para você, querido?

Olavo de Carvalho fala para todos: Quer dizer que só porque eu tenho um cacete e não uma buceta não posso opinar, ora porra????

Olavete entra na sala.

Paulo Ghiraldelli Jr fala para todos: Pelo jeito não é preciso diploma pra logar nesse chat kkkkkkkkkkkk

Olavete fala para Paulo Ghiraldelli Jr: Ainda bem que não precisa, pois se precisasse coitados de Sócrates, Platão, Aristóteles...

Vladimir Saflate entra na sala.

Vladimir Saflate fala para todos: Oiiiiiiiii algm qr tc????

Márcia Tiburi fala para Vladimir Saflate: O tema é o aborto na sociedade falocêntrica. 

Vladimir Saflate fala para todos: E quem se diz contra o aborto e defende a pena de morte???? rsrsrsrsrssrs

Olavete fala para Vladimir Saflate: Essa indireta foi pra mim???

Vladimir Saflate fala para Olavete: Se a carapuça serviu...

Mario Sérgio Cortella entra na sala. 

Paulo Ghiraldelli Jr fala para todos: Pessoal, eu não sou a favor do aborto. Ninguém é a favor do aborto. A questão não é essa. A questão é a descriminalização do aborto. 

Mario Sérgio Cortella fala para todos: Eu penso que a mãe tem um vínculo afetivo com o filho desde a concepção. Então interromper a gravidez (e aqui podemos pensar em Sócrates que se dizia um parteiro de ideias) deixa um trauma que mãe terá que carregar para sempre. 

Márcia Tiburi fala para todos: Fica difícil discutir com quem tenta impor seus dogmas aos outrxs

Leandro Konder entra na sala.

Leandro Konder fala para todos: Galera, passei aqui apenas para falar a real. Aborto é uma questão de saúde pública. #Fuuuuuuuui

Leandro Konder sai da sala. 

Olavo de Carvalho fala para todos: É fácil ser contra o aborto quando não serão vocês que serão abortados, ora porra. 

Paulo Ghiraldelli Jr fala para todos: kkkkkkkkkkkk o cara quer que a gente debata com um feto. Depois não sabe por que não passou no vestibular da USP

Olavete fala para Paulo Ghiraldelli Jr: Vai tomar no cu, otário!!!

Olavete foi banido pelo moderador. 

fEtO entra sala.

Vladimir Saflate fala para todos: ???????????????

Márcia Tiburi fala para todos: ?????????????

fEtO fala para todos: Algma gata afim d tc no reservado com cam com um novinho?????

Olavo de Carvalho fala reservadamente para fEtO : Mais tarde, como combinamos. 

fEtO fala reservadamente para Olavo de Carvalho: AFFFFFFFFF primeiro tc com as minas e depois debate com os abortistas #xatiado

Olavo de Carvalho fala reservadamente para fEtO : As minas estão em outra sala. Depois eu vou para lá também. Agora vamos debater com os abortistas. 

 fEtO fala para todos: algm qr tc comigo sobre aborto?????

Marilena Chauí  fala para fEtO  : Eu 

Vladimir Saflate fala para fEtO: Eu 

 Paulo Ghiraldelli Jr fala para fEtO: Eu 

fEtO fala para Marilena Chauí: primeiro vc gata. 

Marilena Chauí fala para fEtO: Qntos anos???

fEtO fala para Marilena Chauí: Seis meses gata.... e vc?

Márcia Tiburi fala para fEtO: E você se lembra alguma coisa de antes de ter dois meses. 

fEtO fala para Márcia Tiburi: Vixi, p falar a vdd naum lembro nada naum. 

Márcia Tiburi fala para todos: RÁÁÁ como eu desconfiava: até os dois meses ele era apenas um amontoado de células e, então, não se tratava de uma pessoa. 

fEtO fala para todos: :(

Luiz Felipe Pondé fala para todos: Bom, creio que isso coloca fim ao debate.

Marilena Chauí fala para todos: Isso é evidente. 

Paulo Ghiraldelli Jr fala para todos: Não restam dúvidas. 

Mario Sérgio Cortella fala para todos: Se é assim, boa noite para quem fica.

Amontoado de Células entra na sala.

Olavo de Carvalho fala para todos: PUTA QUE PARIU!!!!!!!














sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Cássia II

Eu sou o buraco na sua cabeça e sou a dor no seu pescoço. Eu sou o nó na sua garganta e sou o aperto no seu coração. Eu sou o arrepio na sua espinha e sou o cisco no seu olho. Eu estou no lamber de seus lábios e estou na ponta de sua língua. Eu sou o pesadelos de seus sonhos, sou aquela sensação de queda. Eu sou a doença e sou a agulha e seus remédios. Eu sou a bebida e sou sua ressaca pela manhã. Eu sou a sua sorte e sou o seu azar. Eu sou o seu amor e sou o seu ódio. Eu sou Cássia. 

Eu sou ao motivo de você faltar ao trabalho e passar a tarde num quarto sujo de motel com as paredes transpirando. Eu sou a pessoa com quem você rola na cama e que mata uma fome que parece ser de dias. Eu sou o cheiro que nessas horas vira o seu cheiro e eu sou o gesto que nessas horas vira o seu gesto. Tudo isso em meio a gritos, promessas e juras de amor enquanto suamos e transpiramos embaçando o vidro da janela. Eu sou a pessoa com quem você cai na cama, encharcado de suor. É por mim que você vai abandonar sua mulher e seus filhos. Eu sou Cássia.  

Eu sou a pessoa pra quem você vai buscar uma garrafinha de água depois. Eu sou a sede que vira a sua sede. Eu sou quem, na volta, você encontra na cama ofegante. Eu sou quem dá três ou quatro goles de água sem se preocupar se ela escorre ou não pela pele, se ela cai ou não nos lençóis ainda quentes. Eu sou com quem você vai recomeçar mesmo sem nunca ter chegado ao fim. Eu sou a boca que você ainda sente gelada da água no beijo. Eu sou quem vai evaporar até desaparecer com o vento gritando dentro da sua cabeça "para sempre". Eu sou quem você nunca vai ter para sempre. Eu sou livre. Eu sou assim: Cássia