domingo, 13 de outubro de 2013

Fui fazer café (pensei em você), assim como quando abri o chuveiro à tarde (pensei em você) e quando estive caminhando ontem pelas ruas e vi os bares lotados (pensei em você). Eu prometi para mim mesmo não contribuir ainda mais para o acúmulo de lixo na internet com mais tristeza, mas você está na minha cabeça e não quer sair. De vez em quando as imagens mentais sobre você formam algumas palavras; nuvens de frases que vão se acumulando pelos cantos do apartamento sujo. Disso eu não consigo escapar. Eu queria nunca mais escrever. Não existe mais nada que deva ser dito por ninguém. Isso tá cada dia mais óbvio e isso eu vou repetir até me convencer. Só que não sei que destino dar às palavras mais simples, assim como não sei o que fazer com o café que esfria na mesa além de bebê-lo. No apartamento que eu moro não cabe mais nada, mas cabe minha cabeça teimosa. Cheia cheia cheia cheia de palavras. Abro um livro ou a geladeira ou um pacote de Cebolitos. Nada muda nada. Só a sujeira segue se acumulando pelos cantos do apartamento. Penso em você e você me vem à mente como um artigo que há semanas tento acabar e não consigo. Um artigo sobre o conceito de mundo em Heidegger. Sobre um mundo que é o seu e é o meu também. Não consigo acabar o artigo porque ele é ruim e ele é ruim porque é um artigo: porque diz alguma coisa que não precisa ser dito. Que diferença ele pode fazer? Prometo apenas escrever para contar piadas. Prometo ter equilíbrio mental suficiente para ser um idiota. Os grandes textos filosóficos do século XX falaram do fracasso da experiência humana. Os grandes textos filosóficos do século XXI falarão da aceitação desse fracasso. De minha parte, sei que não colocarei mais nada de ruim no mundo. Só vou escrever de coisa boa. Como quem fala por necessidade, como quem conversa com um cão. Não faz sentido defender, reclamar ou condenar. Seríamos mais coerentes se só usássemos a linguagem para falar de coisas sem importância. Nos casos em que queremos brigar, discutir, opinar, analisar a arquitetura das galáxias ou dissecar as estruturas do ser primordial ou criticar o complexo cenário político que inventamos para enfeitar a nossa cabeça - nestes casos deveríamos ter uma coisa em mente: ninguém realmente se importa. O que importa é ocasionalmente saciarmos nosso desejo, a fome, o frio, a tristeza. Se usarmos a linguagem pra isso, ela então faz sentido. No tempo que sobrar poderíamos dar um descanso para nosso logos. Sair tomar café, entrar num cinema e depois esperar na marquise de uma loja até que a chuva passe. Depois, em casa, bastaria ter calma com a noite. Sem se preocupar com o medo infantil que é ter medo da noite, sem se preocupar com tudo o que já foi dito sobre o medo da noite, sem se preocupar com o quanto já se falou sobre o medo da noite, sem se preocupar no quanto o medo da noite perdeu a graça depois que tudo sobre ele foi dito. Mas o medo da noite persiste tanto quanto a noite, tanto quanto as palavras sobre o medo da noite. Como se nada tivesse mudado desde o tempo em que o mundo era um lugar onde as coisas só dependiam do sol para serem vistas. E não das palavras. Então não há como nos livrarmos desse lixo. Quando toda essa bosta explodir -- a terra o céu o mar -- as palavras ficarão e irão ricochetear na atmosfera como raios ultravioleta. Não faz sentido nos preocuparmos nem mais nem mesmo. Vamos sentar na sombra, aproveitar enquanto ainda há brisa, adormecer em silêncio e gritemos em alto-falantes apenas quando for o caso de gritar.

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