Enquanto o Fantástico passa sem volume na televisão, Cássia busca no quarto um pouco de silêncio. Carros indo e vindo na rua e o tic tac enquanto ela digita qualquer coisa no skype para os meninos que batem punheta pensando nela. Raros momentos de tamanha tranquilidade. Ela gosta quando já é fim do dia e ela pode ficar só de blusa e calcinha, deitada na cama, não fazendo nada assim. Gosta de ver só a luz do abajur iluminando de forma delicada e sútil o quarto bagunçado. Gosta do toque do lençol nas suas pernas e do cheirinho bom do spray de casa cheirosa que ela joga no ar. E gosta dos meninos no skype dizendo que ela é gostosa. Nessas horas Cássia é quase feliz.
Ela gostaria que seus pensamentos se aquietassem, para que ela realmente conseguisse descansar. Gostaria de ter um namorado, de levar uma vida certa e direita, ser mulher de um homem só, ser de família, como dizem. Gostaria que seu coração não ficasse acelerando e desacelerando trazendo essa pequena afobação gostosa cada vez que um desconhecido mostra pra ela seu pau duro na cam do skype. Que seu estômago não se revirasse de ansiedade cada vez que ele conhece um cara novo. Gostaria de não ficar imaginando como é na cama um colega ao qual acabou de ser apresentada. Gostaria que suas olheiras, resultado de noites seguidas sem dormir, não estivessem tão grandes num rosto tão branco e bonito. Mas Cássia sabe que não pode mudar. Ela sabe que isso a mataria."Eu sou o que sou", ela diz pra si mesma.
Ela gostaria que o sexo sem compromisso fosse capaz de curar essa qualquer coisa, esse incômodo ou sentimento amargo, essa coisa que não se sabe o nome ou a procedência, isso que desde que ela se viu moça quer sair mas não encontra a forma, isso que lhe tira a paz nos momentos de tranquilidade. Ela gostaria que saísse. Que saísse de algum jeito. Só que nunca saí. Deve estar perdido ou grudado em algum pedaço do seu corpo. Nos seus peitos ou nas pernas. Ou na suas células sanguíneas ou na sua respiração, ou no piscar dos olhos cansados. Ou no rímel melecado que sai com algodão junto com o removedor de maquiagem. Na pelinha do canto da unha do dedão arrancada ao dente. Mas continua lá. Nela. No corpo dela. No corpo que ela é.
Enquanto o silêncio do quarto briga com a gritaria das ruas, Cássia sobrevive mais um dia. Enfrentando o que consegue e fugindo do que pode, encontrando no barulho do centro da cidade o silêncio inquieto que precisa para a sua quase sobrevivência. Somos todos Cássia.
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