segunda-feira, 23 de julho de 2018

a gente nunca foi árvore

depois de um tempo a gente se acostuma a praticamente não pensar mais no assunto. o perigo então é ser surpreendido por algum pedaço que tenha sobrevivido. sei que nem é mais amor, e, sinceramente, às vezes penso que nunca foi. é mais saudade do espaço que ela abriu dentro de mim, saudade de quem eu fui ali, naqueles olhos, naquela mão dada à minha. nos cabelos dela, que eu adorava tanto quando o vento trazia para o rosto e eu tinha a desculpa para por detrás da orelha. do rosto dela sempre quente e terno. é uma saudade que ninguém e nem o tempo amansa. mas a gente se acostuma, sim. ainda que desconfiando de tudo o que perdeu. ou vai saber se isso não é só mania de cutucar a casquinha da feriada, pra gente se sentir vivo outa vez, pra recuperá-la um pouco na lembrança do que fomos. mas a memória, com o tempo, também esfria, sabe?

o nome dela entre os lábios. se eu pronunciasse, ela ouviria? saberia dizer de onde veio aquela voz, se de agora ou do passado? ou do futuro que um dia prometemos? a imagem dela dentro de mim. essa imagem, que um dia será frágil e amarelada, me dá força pra de vez quando não odiar. a imagem relampeja e se fixa no céu da lembrança, feito primeira estrela numa noite nebulosa. 

a gente não foi árvore pra deixar crescer raiz. a gente foi barco que nunca aporta. com desejo de entrar em novas terras, novos ares, novos mundos, novas águas. dois barcos à deriva um do outro. e também um no outro? 

o problema, garota, é que a gente nunca soube ser árvore para crescer raiz.

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