segunda-feira, 23 de julho de 2018

a gente nunca foi árvore

depois de um tempo a gente se acostuma a praticamente não pensar mais no assunto. o perigo então é ser surpreendido por algum pedaço que tenha sobrevivido. sei que nem é mais amor, e, sinceramente, às vezes penso que nunca foi. é mais saudade do espaço que ela abriu dentro de mim, saudade de quem eu fui ali, naqueles olhos, naquela mão dada à minha. nos cabelos dela, que eu adorava tanto quando o vento trazia para o rosto e eu tinha a desculpa para por detrás da orelha. do rosto dela sempre quente e terno. é uma saudade que ninguém e nem o tempo amansa. mas a gente se acostuma, sim. ainda que desconfiando de tudo o que perdeu. ou vai saber se isso não é só mania de cutucar a casquinha da feriada, pra gente se sentir vivo outa vez, pra recuperá-la um pouco na lembrança do que fomos. mas a memória, com o tempo, também esfria, sabe?

o nome dela entre os lábios. se eu pronunciasse, ela ouviria? saberia dizer de onde veio aquela voz, se de agora ou do passado? ou do futuro que um dia prometemos? a imagem dela dentro de mim. essa imagem, que um dia será frágil e amarelada, me dá força pra de vez quando não odiar. a imagem relampeja e se fixa no céu da lembrança, feito primeira estrela numa noite nebulosa. 

a gente não foi árvore pra deixar crescer raiz. a gente foi barco que nunca aporta. com desejo de entrar em novas terras, novos ares, novos mundos, novas águas. dois barcos à deriva um do outro. e também um no outro? 

o problema, garota, é que a gente nunca soube ser árvore para crescer raiz.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

aqui está a rosa

nosso deserto, talvez, seja apenas a espera pela chuva. que demora, demora, demora, mas, quando chega, encontra as sementes mais fortes para florir. a melhor parte de atravessar um tempo seco é essa delicadeza em ver a vida morrer e depois recomeçar aos poucos. e então o deserto vira mar: campo de cores e flores fluindo por entre as montanhas. convidando o observador a juntar uma folha, dobra e dobrar e dobrar, até voltar à infância, quando qualquer papel virava chapéu, e, com mais uma dobra, temos um barquinho. e lançamos nosso barco frágil nesse deserto que agora é rio rodeado de flor. e ele flutua, flutua e flutua, como as nossas últimas esperanças.

da secura e do cinza, tenho certeza, se segue a chuva. que alivia o mundo de seu peso, alivia a nós mesmos de nosso próprio peso. como se as portas estivessem destravando por dentro. já agora, escuto daqui, cada flor sussurrando ao vento que trouxe a chuva: "Hier ist die Rose, hier tanze".

parece o fim do mundo, mas é só mais um começo.

terça-feira, 10 de julho de 2018

se existir algo som
melhor do que dizer as palavras
eu te amo
então por favor
me diga
que eu irei repetir esse som
de novo
de novo
e de novo
até você entender.