segunda-feira, 11 de junho de 2018

amor sartreano

é de sartre uma de minhas definições preferidas de amor: amar é deixar de existir enquanto sujeito.

tem gente que adora a imagem absoluta e heróica do amor, da paixão que consome, do amor sublime, que eleva acima e contra o mundo. precisamos do absoluto para que o amor seja possível. talvez essa seja a visão dominante em nossa cultura. 

contra essa visão, a frase de sartre fala do amor como um tipo de projeto, de caminho, e não como um acontecimento espetacular. o amor, neste caso, precisa durar um tempo porque é uma construção, ou melhor: uma desconstrução. mas o que desconstrói aquele que ama? 

geralmente, segundo sartre, minha existência é organizada por meus projetos e minhas escolhas particulares. o mundo, na fenomenologia, é, de certa forma, o meu mundo, o mundo dos meus projetos. neste sentido, sou um sujeito e sou livre. 

claro que, ao redor de mim, há muitos outros com seus projetos e suas escolhas. sou capaz de, gostando deles ou não, reconhecer seu direito de também escolher e promover seus projetos. porém, o fato de eu saber disso não muda em nada meu modo de ser. é só quando amo que consigo olhar, ao mesmo tempo, para dois projetos que não se confundem; os meus e os de quem eu amo. essa estranha experiências existencial faz com que os dois amantes, de certa forma, compartilhem o mundo, enxergando coisas que ficam despercebidas para quem deixa de ser seu próprio eixo de referência subjetiva.

eu penso nisso quando alguém diz "eu também te amo". dizer também te amo é mais bonito do que dizer eu te amo. porque a ênfase recai sobre a reciprocidade do também. aperta um laço firme com aquele que começou a dizer que amava. eu também te amo é o nó que vai tecendo a vida comum e que faz com que a gente vá deixando aos poucos de existir enquanto sujeitos. 

é claro que um amor assim entendido necessita de tempo. meses, anos, uma vida. não importa. esse tipo é um amor sem urgência, que se renova cotidianamente, e que nos distrai da fragilidade, da solidão e da morte. no deixar de ser um sujeito, nosso mundo se espreguiça e se alarga. 

entregar-se a uma paixão pode ser rápido, mas deixar de existir enquanto sujeito, e refazer o mundo a dois, isso sim exige tempo e cuidado.


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