terça-feira, 26 de dezembro de 2017

bons livros de filosofia não são carícias. beijos suaves de um lado do rosto. carinhos nos cabelos com as pontas dos dedos. abraços sobre um banco no entardecer de outono. bons livros de filosofia são socos, bofetadas, cuspes. injetam veneno no sangue. carregam armas nas mãos ao invés de flores. engolem comprimidos, de madrugada, e vomitam sobre o chão do banheiro. ao invés do sussurro, preferem o grito. grandes obras filosóficas são como velhas despenteadas, locas de camisolas, bonecas sem cabeça. verdades filosóficas sobrevivem no escuro como insetos. como fungos, se reproduzem no mofo. algumas são plantas carnívoras, que se disfarçam de flores delicadas e comem teus dedos. um bom livro de filosofia deve terminar o nosso dia como tempestades. filósofos não escrevem para fazer afagos. seus textos têm pontas afiadas e o desejo do corte.

domingo, 17 de dezembro de 2017

quanto mais vai crescer a feriada? o corte que você abriu e não ficou para assoprar. a que tamanho chega um machucado sem curativo? aberto, exposto, abandonado. quanto mais pode crescer o rasgo que já foi minúsculo? a que tamanho chega um ferimento regado todos os dias, cultivado por alguém como se fosse flor?

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

tu não vale uma frase, um poema, um verso, uma rima. um letra para uma música cantada no silêncio. não vale. tu não vale a madrugada perdida, o acordar no sofá, a ressaca, o vômito. uma foto apagada, um diário queimado, os móveis quebrados.  não vale. tu não vale o corte riscando o pulso, o punhado de comprimidos, as músicas tristes. a mão por horas sobre o celular, a espera, a vontade de conversar. não vale. tu não vale o soco na parede, as coisas jogadas no chão, o espelho trincado, o copo atirado. não vale. tu não vale o grito atravessando a cidade, o palavrão. não. tu não vale o tempo perdido, a teimosia da busca. 

mas eu te procuro, ainda. escrevo frases, faço poemas, amanheço com febre. me jogo contra a parede, engulo comprimidos aos montes. eu vomito. tu nem sabe ou imagina. eu não apreendi. ainda faço tudo por alguém que não vale nada. 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

culpa

a culpa é minha. e apenas minha. eu te vi como mar, quanto não passava de uma gota, evaporando, caída sobre a calçada. por isso a culpa é toda minha. eu te escutei como música, quanto não passava de uma nota, tocada sozinha e sem querer na limpeza de um piano. eu te engoli como banquete, quanto não passava de uma migalha. eu te guardei como tesouro, trancada e protegida, quando tu não valia nada mais que centavo. moeda esquecida no fundo de uma bolsa. eu te coroei rainha, quando deveria ter te dado esmola e te sustentado com restos. eu te via gigante, quando, na verdade, poderia  te esmagar, facilmente, com meu sapato. eu te sentia furação, quando tudo não passou de um sopro. por tudo isso a culpa é minha. só minha. a culpa é minha por insistir em achar que é única, quando o que mais há por ai são coisas idênticas a ti.  
como vocês não viram eu me retorcer pela cama, tentando desvirar minha alma, tentando tirar do avesso? como vocês não viram? eu me esfregava pela cama, pelo colchão cheio de espumas, machucando minhas costas, deixando marcas vermelhas. Como vocês não me ouviram chorar? eu chorava, pedia num soluço para que me desintoxicassem por dentro, para que me lavassem com água e sabão. vocês podem não saber, mas eu me sentia sujo. como quem está cansado de caminhar na chuva, para em uma esquina qualquer, encosta em um poste, com as mãos no bosto e recebe a lama respingada pelos carros que passam sobre as poças, e de propósito encharcando seus sapatos, sua roupa, sujando seu rosto como o que escorreu da cidade imunda, com a água que lavou os telhados e as marquises. vocês não sentiram que eu tinha um gosto amargo na boca? nem isso vocês perceberam? um gosto ruim acumulado por tudo o que passou. não sentiram o meu cheiro? tinha algo apodrecido. nem sentiram minha testa quente e o suor de minha febre. pelo menos leram os bilhetes que letras tremidas que deixei pela casa? leram? ou meus pedidos de ajuda escrito com carvão pelas paredes? na porta da geladeira, as letras de imã formando socorro? vocês não sabiam que eu estava morrendo aos poucos? 

essa morte lenta que me embrulha o estômago. uma vida insuportável que provoca vômito no meio da madrugada. suor frio na volta pra cama, pra dormir no máximo três horas. para amanhã viver tudo de novo. vocês nem poderiam perceber. eu tranquei as portas para morrer sozinho no terceiro andar. fechei com tijolos as janelas. encostei o armário pesado atrás da porta. apaguei as luzes para não ver o espelho. eu me tranquei para sempre, para morrer sozinho, na minha paranoia. abafei os gritos no travesseiro, para não incomodar os vizinhos. para ser encontrado semanas depois, debaixo das patas do meu gato faminto. a vida me incomoda como o som de unhas arranhando um quadro-negro sem parar. um ruído sem fim. cada vez mais alto. cada vez mais rápido. como vocês não escutaram também? como vocês não notaram que eu não suportava mais? 

vocês não viram que eu estava no limite? a borda da xícara estava para transbordar a qualquer momento. a vida escorreu, desceu pelos pés da mesa e sumiu entre as poeiras do chão da sala. morri pelo excesso, por você demais, por não suportar nem mais uma gota. nenhuma mesmo. o que já matou minha sede, acabou me afogando. 

como vocês não perceberam que eu estava morto há muito tempo?

morri, mais uma vez, por isso. por acreditar no que haviam me garantido, mentiras entre sorrisos. morri por não imaginar que seriam suas as mãos que iriam me conduzir até minha guilhotina.