segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Triste, porém mais feliz que a maioria (o manual para o doutorando em Filosofia que veio do interior)

Fazer um doutorado em Filosofia vindo de uma cidade e de uma família sem nenhuma experiência acadêmica é uma aventura mental que só compreendem com exatidão aqueles que estão metidos nesse trabalho bastante peculiar. Tudo começa com perguntas estúpidas: você faz o quê mesmo? E então você responde orgulhoso: faço doutorado. A outra pessoa segue perguntando: Ah, que legal, vai ser doutor, médico, né? Nesse momento você precisa respirar fundo e então tem duas opções: 1) diz que sim, vai ser doutor médico e se despede da pessoa, desejando à ela um bom dia (mesmo que por dentro prefira que ela seja atropelada ao cruzar a rua) e 2) você diz que será um doutor em Filosofia. Quando se escolhe esse segundo caminho, a outra pessoa começa a olhá-lo de uma forma estranha e diz coisas do tipo: Você vai ser filósofo? Os filósofos no geral não são meio loucos e depravados? Ou diz coisas assim: Todos os filósofos que eu já ouvi falar eram alcoólatras, drogados, inúteis, vagabundos, revoltados que só arrumavam problemas. Bem, temos que reconhecer que em parte essa pessoa tem razão quando diz essa coisas. Inúteis e vagabundos? Sim, somos inúteis e vagabundos. Arrumamos problemas? De certa forma, sim. Dificilmente acreditamos no liberalismo, não acreditamos no conceito humano de "progresso", desconfiamos da democracia representativa dos partidos oficiais, desconfiamos das convenções sociais e não temos muito respeito pelas instituições tradicionais, como a igreja e os militares, e ainda não nos damos bem com os bons costumes. 

Por um momento nosso interlocutor ficará escandalizado e poderá dizer que somos imorais, comunistas, esquedistas, ateus, depravados e bêbados. "Você vai morrer de cirrose". Você poderia responder: e você vai morrer por ser tão idiota. Nosso interlocutor não compreendeu que a bebida é o melhor amigo de quem tem que escrever uma tese filosófica, nessas noites solitárias quando se está em frente ao computador, com diversos livros abertos em cima da mesa, e a página na tela do computador está em branco. O álcool nesse cenário se transforma num tipo de mar estranho por onde navegam nossas ideias, nossos conceitos e nossos argumentos. Algumas ideias se vão assim que acaba a cerveja. Outras ficam, permanecem. 

Se você é um doutorando em Filosofia e tem uma biografia um pouco parecida com a minha, entenderá a exatidão desse post. Se você tem uma biografia um pouco parecida com a minha e considera a possibilidade de seguir uma carreira estudando Filosofia, não se desespere. Aqui vão alguns avisos: Cedo ou tarde descobrirá que um doutorando em Filosofia acorda sempre tarde, dorme muito tarde, chega sempre atrasado, tem olheiras, bebe muito, é um pouco triste, porém mais feliz que a maioria. 

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