sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Com o pássaro do tédio no ombro

A Cidade Baixa se transforma em outra quando a gente ta entediado. É outra Cidade Baixa em que esperam em pé na porta de alguma boate algumas mulheres tristes que têm estrias e os olhos perdidos. É outra Cidade Baixa que desde o começo da noite arde com mil olhos que se queimam com tanta merda no ar e nos livros enquanto outros dormem tranquilos dentro dos prédios querendo salvar suas almas e a gente aqui na rua tentando perde-la. 

É outra Cidade Baixa. É um bairro aonde as pessoas tem os pulmões cheios de melancolia e de fumaça. A Cidade Baixa é uma enorme mosca que se debate sentindo o cheiro do veneno pesticida. Cidade Baixa: um caminho, um descaminho, um encontro, um desencontro, uma ilusão, uma deprê, uma alucinação. Cidade Baixa é o bairro dos borrachos, em que a serenidade verde dos parques dá lugar a agitação da paranoia. É também o bairro das drogas, da tosse e dos vômitos. Fumaça, muita fumaça. Barulho, muito barulho. Gente, muita gente. 

Cidade Baixa é um bairro de muitos bairros. Muitas mulheres, muitos homens, muitos nomes, muitos assaltos, muitos táxis. Cidade Baixa é uma cidade dentro da cidade dos chás e dos colecionadores de livros. Porto Alegre é a cidade do não, do de jeito nenhum, do isso não é certo, isso não se faz, não venha, não vá, não acabe, não comece, não beije, não ame, não odeie, não viva, não se mate, não e não. Cidade Baixa é o sim no meio de tanto não. 

É o bairro das crises, dos bares irregulares, do esconderijo para se fugir da neurose da cidade que dispara paranoias elétricas e fantasmas de frustrações; É o bairro de uma geração de jovens opaca e mutante que não quer entrar pela cidade pela porta da frente, pois, pelo contrário, quer tomar de assalto o coração da cidade, enquanto bebem, fumam e transam quando começa uma chuva esquizofrênica sobre as pessoas, sobre os gatos, sobre os cães, sobre os ladrões, sobre os moradores. 

Quando se está entediado a Cidade Baixe se transforma em outro bairro. Ali nada parece cair. Tudo parece estar sustentado por uma rede invisível que envolve todo o ambiente. Percebe-se um zumbido, como de uma mosca, que vai de mesa em mesa. É o tédio que sai de você e vai envolvendo todas as pessoas e que vai passando pelos ombros, transmitindo um tipo de doença: a doença do tempo que não para de passar. 

Enquanto a maioria  se encontra protegida em casa, outros se encontram no fundo do inferno. Cidade Baixa é a imagem do bêbado gordo esquizofrênico que caminha sem camisa em meio as mesas todas as noites, ou de uma mulher que passa todas as noites vendendo coisas em uma cesta vazia, tem também o cara que se veste de Chaplin todos os dias para vender flores e aquele que gosta de correr de sungas mas apenas quando chove. 

Bem-aventurados sejam os os bêbados, os garções, os cachorros que latem no meio das ruas, os polícias parados nas esquinas, os ladrões, os mendigos, os idiotas, os bares, os restaurantes japoneses, os gritos, os vômitos, as ciclovias, os supermercados, as galerias, Bem-aventurados porque deles será o reino do tédio. 

Quando a gente tá entediado, a Cidade Baixa se transforma num bairro onde as pessoas têm os pulmões cheios de melancolia e fumaça. 

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