domingo, 19 de outubro de 2014

deslogo o face desligo o note abotoo a camisa amarro o cadarço afivelo o cinto ato o nó da pulseira prendo o gato bloqueio o celular fecho o guarda roupa tranco a porta fecho cadeado e saio te encontrar e saio pensando que por mais que me prepare para o seu olhar amarrando deslogando afivelando prendendo abotoando trancando fechando bloqueando ele é sempre uma coisa que não consigo aprisionar e também é a única coisa que quero livre sempre e penso que gosto de você assim sem deslogar afivelar prender trancar abotoar deslogar desligar como se nos teus olhos todo o enredo do mundo parecesse sem desfecho e nas expectativas dos seus próximos olhares mesmo sabendo que eles eu não desligo deslogo prendo fecho abotoo tranco bloqueio afivelo amarro e que talvez seja essa justamente toda a graça e toda a merda

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Prêmio Sakamotinho de melhor pior jornalismo ativista

Léo Sakamotinho era um jornalista ativista. Ele tinha muito orgulho do que fazia. Posso não mudar o mundo, mas estou fazendo a minha parte, ele dizia com um sorrisão forçado na cara. Em uma de suas reportagens ativistas, Sakamotinho se vestiu de índio para testar o preconceitos dos seus alunos da PUC SP, onde também era professor. Por mais de um mês ele deu aula no curso de jornalismo da universidade vestindo um short Adidas e usando um cocar ma cabeça para desafiar o preconceito da classe média paulistana contra o índio. Uso cocar como ato político, dizia o jornalista Sakamotinho. 

Em sua primeira aula vestido de índio, Sakamotinho contou que um dos alunos o agrediu fisicamente com o último livro do Olavo de Carvalho e outro com um salame que trazia no bolso do casaco. Porém com o tempo ele passou a ser aceito pela turma, que fazia um grande batuque nas classes quando ele entrava na sala e às vezes rolava até uma dança da chuva antes do intervalo. 

No entanto essa não é a regra, diz o jornalista em seu blog. Na maior parte das vezes, a universidade, lugar em que supostamente deveria haver maior liberdade e tolerância, ainda é cheia de preconceitos e comportamentos reacionários. Só nos últimos quatro anos, segundos dados levantados pelo próprio Sakamotinho, houve mais de dois trilhões de reclamações envolvendo a roupa ou o jeito de falar de algum estudante. Esse foi o caso de Gerson Lúcio, aluno do sexto semestre de Filosofia da mesma universidade. 

Gerson gosta de se vestir como um mendigo e ir assim na universidade para impor sua identidade contra o capitalismo higienista burguês. Na última semana, por exemplo, Gerson frequentou as aulas a semana toda vestindo chinelo, calça de moletom e uma camisa velha do Palmeiras. Durante toda aquela semana, ele também não tomou banho. Olha, cara, estou acostumado a ser ofendido pelos corredores da universidade, para mim isso é normal, nem ligo mais, dizia o estudante. As pessoas evitam se aproximar muito de mim, por causa do cheiro e tal, continuava contando. 

A vontade de se vestir como um mendigo para enfrentar o sistema capitalista começou quando Gerson ainda era uma criança, contou o jornalista num post que viralizou na web. Como assim? Eu nunca quis me vestir como um mendigo, cara, afirmava Gerson. Na escolinha, com menos de sete anos, ele já esculachava e mostrava o preconceito de todos os coleguinhas, segue o texto do Saka. Eu nunca me vesti de mendigo, mano, do que você ta falando?, confirmava o estudante. Será que você pode parar de me seguir agora?, finalizava Gerson em um pedido velado de ajuda. 

Gerson muitas vezes foi barrado na entrada da própria universidade. As festas do curso ele foi proibido de frequentar. Enquanto os colegas ostentavam nas festas carros do ano e roupas de marca, Gerson aparecia puxando um carrinho de supermercado e vestindo um saco de batatas. De onde você tirou isso, cara? eu não to querendo mostrar o preconceito de ninguém, é só a roupa que curto, ele confirmava. Quem está dizendo que me visto de mendigo é você, para mim são roupas normais, afirmava para depois perguntar sem perder a rebeldia contra o sistema: será que agora você pode parar de me seguir pelo campus? 

Durante quase três meses Sakamotinho, em seu trabalho de jornalismo ativista, acompanhou o estudante Gerson nas suas idas a universidade. Sério, ele não parava de me seguir, eu fiquei assustado, contou Gerson. Segundo Saka, pelos corredores ninguém prestava atenção em Gerson quando ele passava, era como se o estudante fosse um papel amassado jogado no chão, escreveu no blog. Não precisa me ofender né, disse Gerson, agora é sério ou você vai embora ou eu chamo a polícia. 

Sakamotinho continuou seu texto denúncia dizendo que apesar de se vestir de mendigo, Gerson não economizava na hora de fazer um lanche no intervalo das aulas. Sempre comia um pastel de frango na cantina da universidade. Até aqui você me segue, meu deus, confirmava o aluno. Já deu pra mim, vou ligar para a polícia, relatava o jovem Gerson, que depois pegou o celular com uma das mãos enquanto a outra segurava um pastel de frango engordurado. Alguns minutos depois a polícia chegou no local e o jornalista Sakamotinho foi obrigado a entrar na viatura sem ganhar nenhuma explicação. Não podemos aceitar que a polícia seja a força repressora do Estado dentro do campus, tuitou o jornalista logo após ser liberado pela polícia. 

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A Gata Dasein

A Gata Dasein, a gata recém castrada, voltou sonolenta do veterinário, assim como o seu dono, que acordara de uma noite que parecia não ter fim. Fazia muito tempo que a realidade dos dias era assim para ele: uma espera pela chegada das horas livres, dos feriados, das noites no bar, dos finais de semana e das férias. Porém, apesar de a importância dessas horas livres na sua vida e de conviver com a aflição de ter que esperar por elas, elas nunca eram suficientes para preencher no seu peito o vazio deixado pelas outras horas. O dono da Gata Dasein se sentia culpado por isso. Seria possível injetar a fome de viver nas entranhas? Poderia criar um comprimido que prolongasse o sentimento bom das horas livres até o restante do tempo? Como ele poderia reverter a efemeridade que era a sua vida? Ainda sedada da anestesia da castração, a Gata Dasein riu, juro que ela riu um riso debochado, um riso de quem tem as respostas que seu dono procura. 

Procura e nunca encontra. Aliás, encontrar nunca foi o forte do dono da Gata Dasein. Não bastavam apenas as chaves que ele nunca encontrava quando precisava sair de casa e estava atrasado, ou os óculos que perdia toda manhã depois de acordar, não encontrava também a ponta do lacre de abrir a embalagem da bolachinha recheada, não encontrava na web o livro que queria baixar, não encontrava seu casaquinho xadrez preferido quando se arrumava para ir para a aula, não encontrava sua vocação, não encontrava um amor ou um motivo para continuar. E como se procurar tudo isso e não encontrar não fosse suficiente, o dono da Gata Dasein se sentia culpado por não lembrar onde deixou as chaves, por não saber em que canto jogou o casaquinho xadrez preferido que deveria estar no cabide ao lado da porta do quarto. Sentia-se culpado pela sua vida de estudante que apesar de boa parecia nunca dar retorno e com seu irmão e companheiro de apê, que se esforçava tanto para ser o melhor que podia. Era como se tudo o que devesse ser estivesse ali com ele o tempo todo, como se as coisas que tinha fossem quase tudo o que poderia querer. No entanto sempre faltava alguma coisa. Era como se acordasse de manhã e estivesse procurando seus óculos para ver perto, quando o que precisava mesmo era encontrar óculos para ver de longe. Afinal, que sentido tem ver tudo no detalhe?  Talvez a vida deva parecer boa apenas quando vista de longe, ele pensava. 

Esse tipo de culpa dominava o dono da Gata Dasein, a gata recém castrada e ainda grogue de anestesia. Parecia que nada no mundo era suficiente para alegrá-lo de uma vez por todas. Vivia perguntando-se  por que não se contentava com o pouco ou se estava querendo demais. A resposta para essa questão, assim como a ponta do lacre de abrir a embalagem da bolachinha recheada e seu casaquinho xadrez preferido, ele nunca encontrava. Só quem parecia encontrar era a Gata Dasein, que, um pouco zonza, observava-o comendo sua bolachinha com café e depois procurando o casaquinho xadrez por todo o apartamento, enquanto saia para a aula marcando pelo celular de sair para beber com alguma pessoa mais tarde. A Gata Dasein, cambaleando sem rumo pelo apartamento, sabia muito bem que nenhum quase iria substituir o todo que faltava para seu dono, ela sabia também que a sensação de ser quase feliz não chega nem perto da sensação de uma felicidade plena e real. 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

nós 
estando sós 
damos nós
nas cordas 
nas tripas 
provocando cócegas em
 nós 
procurando companhia em
 nós

sós
nós
você 
está
comigo
o tempo
todo