Desde criança Alana sabia que não tinha raízes. Tinha nascido para o mundo. Desde cedo a mochila era a denúncia do desejo de partir. Para onde, menina?, perguntavam. Eu não sei, para qualquer lugar do mapa, respondia. Na escola, a única aula que lhe agradava era a de geografia. E isso por causa dos mapas. Bastava o professor expor o mundo em enfrente à classe, que Alana tinha a confirmação da verdade mais forte de sua infância: o mundo poderia ser dela.
Na adolescência começou a escutar canções inglesas para imaginar outra parte do mundo. A música alta no quarto e a mente de Alana em imagem do não vivido. E ela pensava que os outros países são também formados de gente como ela, que músicos e personagens são tão pessoas quanto ela. Por isso, de outros mundos ela queria participar. O sotaque ela imitava. A brancura ela vestia. O humor ela fingia. Mesmo o frio ela fazia de conta. Até o dia que Alana cansou de imaginar. Era hora de acontecer e fugir.
Mas quando saiu de casa, olhou à volta e viu que não seria tão fácil. Ter o mundo era complicado. Dinheiro e força são os maiores bens de um viajante, concluiu depois da primeira frustração. Voltou para casa. Novas músicas e outros discos acariciavam aquela adolescente, para quem a rebeldia era um jeito honesto de viver inconformada.
O que ela queria era o outro, o que ela não sabia o que queria. O desconhecido. Aquele que seu corpo não habitava. As pessoas que sua carne ainda não conhecia. Assim descobriu o teatro e isso serviu como alívio. Catarse para um espírito inquieto, o teatro virou sua casa.
E também a literatura escrita em outras línguas. As coisas contadas em páginas escritas em estranhos idiomas. Seu único desejo era entregar-se ao estranho. Como um barquinho de papel , deixou-se levar nos rios contados por Albert Camus. Trancada no seu quarto, Alana viajava com Camus para o lado de dentro.
Com as amigas, ela viajava para o lado de fora. Mergulhava numa piscina de bebidas e flores, de festas e suicídios. Viu o lado negro e bebeu vinhos brancos. Morreu. Viveu. Cresceu. Saiu de casa e foi morar com as amigas. Estabeleceu aos poucos uma fortaleza, porto para as várias voltas que daria.
Alana: onde estará agora, adulta e mulher? Casada? É fácil pensar que não. Mulher como ela não tem raiz: voa. Alana era um balão arrastado em fogo. Talvez esteja agora em um trem, adormecida, cansada daquilo que decidiu ser. Uma nova cidade, um novo ar, aguarda por ela. Novas gentes. Alana quer o novo de novo e de novo, se repetindo rumo ao infinito.
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