Existe uma piada não muito politicamente correta de um português que vem andando por uma rua, vê uma casca de banana e fala: Ai, Deus, vou ter que cair de novo. Então não adianta ter medo. Afinal de contas, em algum momento tem que acontecer. Não é mesmo? E por que não dizer que muitas vezes nós torcemos para ser o quanto antes? Mas eu não posso falar por você, mosca morta, que tem mais medo do que vontade. Puro clichê, o medo. Estamos sabendo. Não, não olhe para o chão enquanto eu falo com você. Que algum idiota acredite nisso, tudo bem; mas não nós. E enquanto eu falo, você fica olhando para o chão como se tivesse derrubado alguma coisa. Juro que se pudesse ajudar a pegar, eu ajudaria. Mas uma coisa é fingir para os outros, outra coisa é fingir para mim. Outro fracasso, ou melhor: dois. Os dias passando e a certeza inesquecível de que não há em algum lugar um amigo, uma casa, um livro, nem mesmo um vício, que possa te fazer feliz. Mas eu estou falando dos pequenos fracassos. Porque o fracasso total já seria uma alegria. Nada me assusta mais do que uma série de pequenos fracassos. Nenhum grande o bastante para se lamentar, mas todos mostrando que há um padrão que os comanda. Você espera alguém? Não qualquer pessoa, mas uma que antecipe a sua fantasia e mostre que a realidade a supera. Que te dê a totalidade do cosmos. Alguém com seis braços, três olhos e dez tentáculos. Você continua olhando para baixo enquanto eu tento falar com você. Dê no que dê, desde de que dê em algo. Você é minha casca de banana.
segunda-feira, 28 de abril de 2014
domingo, 27 de abril de 2014
É como se eu tivesse perdido a confiança em praticamente todas as coisas. É como se eu tivesse perdido a capacidade de controlar o meu próprio destino. É como se uma entidade tomasse posse de mim. Ela me faz sorrir, me estimula a agir, me faz dizer coisas e ter esperanças, e depois me atira contra a parede. Eu me sinto com um personagem de uma narrativa de Onetti cujo desfecho eu não posso alterar. Você fez com que eu me arrependesse de em algum momento ter acreditado no livre-arbítrio.
Eu acho que em algum lugar na psicanálise, está dito que certos tipos neuróticos quando tentam gostar de uma mulher, inconscientemente fazem de tudo para afastá-la. Então é sempre uma escolha que é escolhida porque necessariamente vai fracassar. Eu acho que essa maldição psicanalista caiu sobre mim.
O problema das maldições é que ser consciente delas não ajuda em nada na hora de evitá-las. Édipo foi avisado pelo Oráculo de que mataria o seu pai e casaria com sua mãe. No entanto, esses avisos não serviram de propósito algum. Édipo sai de casa para evitar a maldição prevista pelo Oráculo. Mas acaba, mesmo assim, casando com sua mãe e matando o seu pai. Ele já sabia dos resultados, conhecia os perigos, mas nada deveria mudar: a maldição é sempre mais forte que a consciência
Minha maldição psicanalista me impede de preferir relacionamentos que podem ser felizes. Eu só sou capaz de querer quem deve necessariamente se afastar de mim. Vagando assim pela terra até o dia da minha morte. Só que saber disso não mudar nada para mim, e isso porque: a maldição é sempre mais forte que a consciência.
sábado, 12 de abril de 2014
Josso Aires entrevista um escritor absolutamente insignificante para todas as áreas da literatura brasileira
Programa do Josso Aires. No palco, Josso Aires entrevista o escritor Chico de Jesus. Banda do programa toca o tema de abertura. Josso Aires interrompe a banda e começa a entrevista.
Josso Aires: Uooooou. Hoje no Programa do Josso Aires vamos conversar com Chico de Jesus, um escritor absolutamente insignificante para todas as áreas da literatura brasileira. Isso é correto, Chico?
Chico de Jesus: É verdade, Josso. Eu sou absolutamente insignificante para todas as áreas da literatura brasileira. Realmente é notável que uma pessoa tão jovem quanto eu já seja tão insignificante para todas as áreas da literatura brasileira.
Josso Aires: Por exemplo, em qual área da literatura brasileira você é absolutamente insignificante?
Chico de Jesus: Poesia. O meu trabalho na poesia é absolutamente insignificante para a poesia brasileira.
Josso Aires: Ora, então você é poeta, Chico?
Chico de Jesus: Claro que sou, Josso. Tenho um bigode e cabelo bagunçado.
Josso Aires: Mas para ser poeta basta ter um bigode e cabelo bagunçado?
Chico de Jesus: Não, claro que não. Essa é uma visão bastante reducionista do que é ser poeta. Além do bigode e do cabelo bagunçado é preciso descuidar sistematicamente da higiene pessoal. E essa é outra característica que eu tenho.
Josso Aires (fazendo cara de nojo): Eu já tinha reparado. Então tenho que te perguntar: que diabos de cheiro é esse, Chico? Como é que se consegue esse fedor tão singular?
Chico de Jesus: Ora, Josso, imagine que você jogou uma hora de bola sem parar. Há suores que escorrem pelo peito e ficam alojados na zona pélvica, e assim convivem um pouco com o fedor do saco (é fundamental trocar poucas vezes de cueca). Por outro lado há suores que escorrem pelas costas, alimenta-se com o fedor do cu e se juntam com o outro suor, formando um cheiro só. Então o meu fedor é justamente uma junção desses dois suores.
Josso Aires: Portanto, recapitulando: há dois suores, há saco e há o cu.
Chico de Jesus: Perfeitamente.
Josso Aires: Mas permita-me dizer, Chico, que eu noto aí também um pouquinho de chulé.
Chico de Jesus: Esse é o meu diferencial. Todos os poetas têm um diferencial e esse é o meu. É impressionante que eu tão novo já feda dessa maneira.
Josso Aires: É impressionante mesmo. Mas, Chico, como foi a recepção de seu primeiro livro de poemas?
Chico de Jesus: Alguém já escreveu, Josso, que se trata do melhor livro de poemas brasileiro de todos os tempos.
Josso Aires: É mesmo? E quem escreveu isso?
Chico de Jesus: Fui eu mesmo, ontem. Ontem eu postei isso no meu facebook e ainda terminei com um emoticon sorrindo, para ficar mais simpático.
Josso Aires: Chico, você se importa de declamar um dos seus poemas para a gente aqui no palco?
Chico de Jesus: De forma alguma, seu Josso.
Chico de Jesus vai até o centro do palco, A iluminação diminui e toca uma música calma de fundo.
Chico de Jesus: Esse poema eu escrevi em razão da trágica morte de minha mãe em um acidente de trânsito. Ele se chama "Minha mãe". E é assim:
Oh,
Minha mãe.
Chico de Jesus volta a sentar no banco de entrevistados. Josso Aires faz cara de quem não entendeu. Alguém tenta puxar uma salva de palmas da platéia, mas que ninguém acompanha.
Josso Aires: Este é seu poema? Ele consiste em duas palavras?
Chico de Jesus: Bem, Josso, se a gente contar a declamação "oh" no começo são três palavras. É impressionante que uma pessoa tão nova possa escolher tão bem as palavras.
Josso Aires: Você poderia declamar outros de seus poemas?
Chico de Jesus: Mas é claro! Tem um que eu particularmente gosto muito e se chama "Meu tio".
Chico de Jesus vai novamente para o centro do palco. A luz baixa e começa a música de fundo.
Chico de Jesus:
Oh,
Meu tio.
Josso Aires: Tenta mais um, eu quero ver até onde isso vai.
Chico de Jesus: Certo, Josso. Agora vou declamar meu poema que se chama "Meu primo que eu nunca vejo mas que mesmo assim aparece sem ser convidado no Natal e bebe e come de graça a noite toda".
Oh
Meu primo
que eu nunca vejo mas que mesmo assim aparece no Natal sem ser convidado e bebe e come de graça a noite toda.
Chico de Jesus volta para seu lugar.
Josso Aires: Realmente é muito tocante o seu dom com as palavras. Mas vamos falar de outra área da literatura brasileira em que você é absolutamente insignificante. Você também é jornalista, certo?
Chico de Jesus: Não só sou jornalista como sou o jornalista mais premiado entre aqueles que nasceram em setembro de 85.
Josso Aires: Como?
Chico de Jesus: Eu sou o jornalista mais premiado entre aqueles que nasceram em setembro de 85. Tenho dois prêmios para as reportagens que fazia para o jornalzinho da escola e um segundo lugar em uma competição de comer tortas. Ainda tenho uma menção honrosa em um campeonato de construir castelinhos na areia da praia. É realmente impressionante que alguém tão jovem quanto eu já tenha sido tão premiado.
Josso Aires: Como jornalista, qual a sua opinião sobre o seu trabalho como poeta?
Chico de Jesus: Eu, como o jornalista mais premiado nascido em setembro de 85, acho o meu trabalho como poeta uma bosta.
Josso Aires: Certo, Chico. Mas além de poesia e jornalismo, qual outra área da literatura brasileira você é absolutamente insignificante?
Chico de Jesus: Bem, Josso, eu creio que posso afirmar com certa segurança que eu também sou absolutamente insignificante para o romance. Quando eu escrever meu terceiro romance, minha consagração...
Josso Aires (interrompendo): Sem querer interromper mas já interrompendo: não sabia que você já escreveu dois romances.
Chico de Jesus: Não, não. Nunca escrevi nenhum. No entanto isso não me impede de afirmar que o terceiro será a minha consagração. Esse enunciado possui condição de verdade. Meu primeiro romance fará um relativo sucesso entre o público, mas será massacrado pela crítica (que vai me julgar superficial demais). Já o segundo será adorado pela crítica mas ignorado pelo público (que irá me achar pretensioso demais). Já o terceiro irá agradar tanto a crítica quanto o público e assim irá me consagrar. Mas você pode ter certeza que apesar disso tudo serão livros absolutamente insignificantes para a literatura brasileira.
Josso Aires: E no que mais você é absolutamente insignificante para a literatura brasileira?
Chico de Jesus: Sem nenhuma dúvida eu sou absolutamente insignificante também para a escrita humorística brasileira.
Josso Aires: Fale mais sobre isso.
Chico de Jesus: Olha, Josso, eu criei um estilo completamente novo para a escrita humorística que é a escrita humorística que não é engraçada de forma alguma. Antigamente a gente lia um conto de humor e ria. Mas nos meus contos isso não acontece. Eu mesmo já estive em velórios bem mais engraçados do que os meus contos, incluindo o da minha mãe. O que eu escrevo realmente não tem graça nenhuma, nenhuma mesmo.
Josso Aires: Chico, o papo tá muito bom, mas eu tenho tempo apenas para mais uma questão. Destaca-se muito essa sua expressão facial. Você poderia explicar o que ela significa?
Chico de Jesus: É uma boa pergunta, Josso. Primeiro eu gostaria de dizer que eu sou a pessoa mais jovem a ter essa expressão facial. E ela significa (câmera foca no rosto do escritor) : aqui nos olhos, um pouco de preocupação, em razão da futilidade da vida humana nas grandes cidades; aqui no canto da boca tem um toque de ironia e cinismo, em razão do meu pessimismo em relação ao futuro humano; e aqui na zona do maxilar é tudo zoeira mesmo porque eu to pouco me fodendo para o mundo e para as pessoas. Isso para que, quando eu fizer uma piada em alguma mesa de bar, quando largar um trocadilho espirituoso, como quem não quer nada, eu mostrar uma ironia, mas ponderado pela preocupação. E isso por que o escritor sabe que o mundo está cheio de problemas, no entanto ele não pode perder seu jeito espirituoso
Josso Aires: Hum, talvez eu consiga também ter esse semblante. Vou tentar, diga como me saio.
Câmera foca agora no rosto de Josso Aires, que começa a fazer caretas bizarras.
Chico de Jesus: O segredo está no franzir da testa, Josso.
Josso Aires: Não sei se estou conseguindo. Estou expressando angústia?
Chico de Jesus: Apenas um pouco, Josso.
Josso Aires: Sabe o que está me acontecendo? Eu realmente sinto aqui nos olhos preocupação porque o mundo está difícil, mas por outro lado eu não consigo ficar ao mesmo tempo espirituoso.
Chico de Jesus: Pois é, precisa da ironia, só preocupação não basta.
Josso Aires: De qualquer forma não temos mais tempo. Eu conversei hoje com Chico de Jesus, um escritor absolutamente insignificante para todas as áreas da literatura brasileira.
Platéia interrompe fazendo "aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah"
Josso Aires: Eu também gostei, ele realmente é insignificante para todas as áreas da literatura brasileira. Depos do intervalo iremos conversar com Jan Santiago, o doutarando em filosofia brasileiro que decorou mais termos fenomenológicos desnecessários em alemão. Até mais e um beijo do gordo, uooooooooou.
Banda volta a tocar. Sobe a vinheta. Final do bloco.
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