domingo, 31 de março de 2019

como foi que chegamos até aqui?

quatrocentos e trinta e quatro mortos ou desaparecidos
tantos tiros nos mesmo corpos e tantos outros machucados
custo a acreditar que, no fundo, não sejamos todos bons e iluminados
porque não, não somos
queremos o que querem os mais fortes sobre os pequenos
queremos o sangue dos outros, esse mínimo
o tempo dos vencedores a criar um país como se fosse só seu

na gaveta de todos há uma arma para o caso
atenção: vocês todos tem na gaveta uma arma para o caso?
no dia que seria o caso ignorou mulheres e crianças e disse: pegue isso protegê-los
de que nos protege a mão com a arma?
de viver como bichos?
de amar sem amor?

quatrocentos e trinta e quatro mortos ou desaparecidos
corpos mortos empilhados uns sobre os outros buscando armas escondidas no fundo de seus olhos
não acredito, no fundo do fundo, que ainda tememos a noite que não vem o dia depois de cada abraço
veja o homem, cujo o corpo tremia diante do gatilho que lhe era desconhecido, veja
deixe esse corpo repousar

não tem armas os corpos nem gavetas
quatrocentos e trinta e quatro mortos ou desaparecidos
nossos olhos abertos na escuridão
os olhos bem abertos
no banco do motorista no banco do passageiro no carro no ônibus
sangra a visão esses corpos
no fundo bem no fundo não acredito, ou até acredito, que entre as gentes habitam monstros disfarçados de sensatez
alguns, dizem, não sentem a dor mas a gente sente
e talvez, veja que digo talvez, nisso resida nosso grande segredo, nossa sobrevivência

n.

é como se ela fosse um rosto coberto com véu. como se estivesse sempre distante. como se fosse impossível tocá-la. porque ela mais uma vez se afasta. sua luz é obliqua. por isso, ela se protege e impede movimentos agressivos. ela pede silêncio. então fico quietinho e penso: se no fundo dos teus olhos não houvesse tristeza, tua alegria não seria tão bonita.

sábado, 16 de março de 2019

todo dia eu preciso fazer um esforço fora do comum para não ser tomado por pensamentos ruins. me contaminei com eles. adquiri um medo inexplicável do amanhã. passei a ver as pessoas ao meu redor com olhos vesgos e míopes. tenho ondas fortes de depressão sem motivo aparente. não sei como me livrar de tudo isso. me livrar de você. mesmo não te vendo, não te tocando, não trocando uma única palavra com você, tudo o que é teu ainda me faz mal. me tira o sono, me revira o estômago, me dá ânsia.

não sei o que fazer para me desintoxicar de uma vez por todas. dizem que o tempo é o melhor remédios para os malem que não tem cura. mas, e enquanto o tempo não chega? como suportar as horas em que beira ao desespero? toda essa desintoxicação às vezes é insuportável. a gente foi um vício. e, por deus, eu prefiro morrer do que ter mais uma recaída.