talvez ninguém perceba, mas debaixo dessa pele, algo em mim apodrece. não se pode ver, mas, por trás da casca, as coisas tomam outra cor. estão em outro estado. eu escureço. é negro. ainda é pequeno, mas cresce cada dia mais, em volta da ferida. e isso explica o riso forçado, quando nada tem graça; o beijo, quando a vontade é de cuspe; o desejo de estar no lado oposto da rua, com a cabeça baixa, quando o encontro com um conhecido me surpreende. é uma mancha negra, que cresce cada dia, que explica o "tudo vai dar certo" quando eu sei que o prazo está vencendo e que o fim é inevitável. são pequenos vermes, microscópicos, multiplicando-se em meus miolos, famintos e silenciosos. e que me fazem aceitar, quando gostaria de quebrar os móveis, os vidros das janelas, rasgar as roupas, derrubar os quadros, os espelhos, os vasos. que explicam o silêncio, quando eu gostaria de gritar. é essa mancha negra, minúscula, escondida em minha cabeça. só por ainda ser pequena, que me faz suportar o ambiente, a repetição dos dias, a indiferença, a burrice, a lerdeza. enquanto ainda for pequena, consigo manter essa aparência firme e saudável. enquanto a mancha não se espalhar totalmente, como um câncer, ainda consigo um sorriso ao invés de uma ofensa. o beijo ao invés do cuspe. o silêncio ao invés do grito. o sim ao invés do não. porém, a cada minuto apodreço mais. aos poucos. estou mudando a cada dia. talvez ninguém veja.
não sangre sobre o tapete.
não morra, idiota, não morra.
não morra, idiota, não morra.
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