domingo, 28 de janeiro de 2018

imanência

mesmo te conhecendo há um tempo, mesmo sabendo que tu é a pessoa no mundo que melhor me conhece, sempre sinto que não te conheço o bastante e que nunca vou chegar a te conhecer. seja porque tu esconde o que pensa, porque pensa muito diferente de mim, ou então, o que é mais provável, porque praticamente não pensa. tu não pensa em ser ou em fazer. tu é e faz. teu mistério está em ser, e nada é mais misterioso do que uma pessoa que simplesmente é. uma imanência pura, sem metáfora, sem mentira, sem metafísica, sem palavras ou estratégias. para mim estar contigo nunca foi completamente fácil justamente porque é fácil demais. eu sou tão complicado, e tu tão simples. simples na integridade, na justeza da simplicidade. eu sinto que contigo algo está sempre nascendo em mim. 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

chove muito no que escrevo de uns tempos para cá. tu deve ter reparado. não há mais lugar para um céu limpo. minha cidade está sempre cinza. o vento sempre leva para longe alguma coisa. os papéis, o cheiro de um perfume. tem havido dor demais no que eu escrevo. não são mais posts de amores perfeitos. nunca mais. a lágrima é sempre de saudade. as frases estão confusas, as fotos estão queimadas. só há lugar para músicas tristes, tocando pelo apartamento. letras melancólicas, rimas imperfeitas. há exagero demais no que ando escrevendo. vômitos, berros, sangue e palavrões. há verdades demais, arrependimentos demais. há vida demais. a minha vida. talvez seja preciso colocar uma outra vida naquilo que escrevo. 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

para que eu mude de ideia, não adianta tu fazer promessas. colocar uma cruz nas costas e andar pelo meio da estrada, debaixo do sol. não adianta acender velas, rezar o terço, amarrar fitas no braço, guardar santinho na carteira. não adianta subir os degraus da catedral de joelhos. eu não vou mudar de ideia. tu pode tentar fazer simpatia. escrever meu nome numa folha, jogar um pouco de mel, roubar uma cueca da minha gaveta, enterrar minha foto no quintal. mas eu não vou mudar de ideia. tu pode tentar usar a força. compre uma faca, um canivete, uma espingarda. arranje um revólver. arrombe minha porta com um dos pés. invada minha casa. transforme minha sala num cativeiro. me faça de refém. me machuque, aos poucos, para que eu mude de ideia. me deixe sem ar com a cabeça mergulhada num balde. dê choques pelo meu corpo molhado. ameaça queimar meus livros, jogar fora minhas anotações, destruir minha família, quebrar os meus móveis, matar o meu gato. piche minhas paredes com xingamentos. tu pode tentar, ser convincente, mas não vai funcionar. eu não me contento mais apenas com desculpas. do meu lado tu não fica nunca mais.