O mundo, merda, o mundo. Esse mundo estranho, que talvez não seja mundo e que, no entanto, é o nosso mundo. Merda, o mundo. Respira fundo. Respira fundo. A chuva, os comprimidos, o álcool, a noite. As florezinhas azuis. Azuis. Azuis. As pessoas. Rinocerontes. Rinocerontes. Rinocerontes. As pessoas na rua escura passam em câmera lenta ao nosso redor. O cheiro da chuva nos transporta nessa viagem pelas vozes, pelas sombras, pelos barulhos, pelas bebidas e pelos silêncios de uma fauna que se desliza secreta pelos labirintos da cidade, a cidade, uma cidade, baixa. Esses labirintos cheios de espelhos quebrados nos quais não nos reconhecemos, aonde nos desencontramos e então nos damos conta de que não somos mais do que uma pequena e discreta criatura que rasteja pelos labirintos, uma criatura triste embriagada de toda a merda, de tanta florzinha azul despedaçada pela chuva, de tanto diamante que se quebra, de tanto coração que se quebra. O mundo. As ruas, O mundo. A chuva. O mundo é a grande casa de todos, uma casa por onde um dia entramos através de uma portinha e outro dia sairemos por outra. Uma casa que, apesar de tudo, nunca te fará sentir em casa, nunca te sentiras acompanhado, uma casa em que ninguém irá te receber de braços abertos, ninguém te oferecerá beijos de amor em uma noite de chuva, uma casa cheia da chuva triste dos amanheceres, enquanto teu corpo fedendo cerveja se perde na corrente da noite como uma flor no cano de um revólver prestes a disparar.
O mundo, merda, esse mundo, esse mundo que faz a gente se sentir de algum modo como pequenos drogados alucinados que andam perdidos pelas ruas escuras que se estendem diante nossos olhos. O mundo que faz com que nossos corações latam rápido como cachorros angustiados em uma noite de foguetes e tiros. Um mundo cheio de flores destruídas pelas chuvas tristes que varrem as ruas. Um mundo que faz a gente viver como mariposas invisíveis que vão picando as flores transparentes dos corações por cima das ruas e da chuva, perguntando onde se esconde o amor, se por detrás das árvores ou das garrafas vazias. O amor se esconde por detrás das montanhas, por detrás dos aviões, por detrás do Amapa. O amor é a musiquinha triste que produzem as árvores da Redenção quando estão bêbadas às seis da manhã. O amor são duas mãos violentas que te arrancam o teu coração e o joga até as ruas, onde teu coração é pisoteado por uma multidão surda. O amor é uma chuva de flores azuis que caem sobre tuas mãos e teu rosto.
O mundo é nossa casinha onde o amor só vem de vez em quando como um vento fugaz e silencioso, porém que sempre se vai e sempre nos deixa outra vez como o sangue cheio de álcool, cheio de turbinas, sempre nos deixa como pássaros feridos e indefesos, assustados pela chuva, assustados pela noite, assustados pelas luzes, assustados assustados assustados pela distância, sempre nos deixa e nos deixa e se vai com a chuva, enquanto nossas flores se secam se secam se secam se fodem. Merda, o mundo.
No entanto, sempre nos salvamos de formas bastante improváveis.
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