quinta-feira, 28 de maio de 2015

quando não sei

quando não sei 
se é amor ou se é pena 
sei que é amor

imagino você aos sete anos no quintal:
da dó 
pensar no copo de coca ou suco 
que nunca dividimos 

suas fotos no face no último ano:
quantidade considerável de pena
seus sonhos de sucesso e popularidade: 
mais dó 

seus hábitos e gostos já surrados pelo tempo:
mais pena 
e um pouquinho de nojo 
seus romances anteriores: dó 

foto de festa na casa da amiga
quando você ainda estava no colégio: 
um resultado é um pouco de pena
de você com seu jeito esquisito 
sem saber se enturmar
e de mim que não me chamei rogério ou renata 
pra naquele dia te conhecer

quando não sei 
se é amor ou se é pena
sei que é amor

quinta-feira, 14 de maio de 2015

depois 
quando já não existir depois 
não existe 
só existe o agora que continua
insistente
se eu fosse um menino ou uma menina de olhos grandes 
o agora telefonaria para mim ou 
pelo menos mandaria um
whats
pra que assim a gente se gostasse no primeiro
instante 
e viveríamos dias inteiros estragados 
por detalhes e aparelhos com 
defeitos 
e despencando dos cabides
como um gênero errado de filme ou um amigo
inconveniente 

sábado, 9 de maio de 2015

O cara que andava errado

Trilha sonora do post, tasca o dedo aí no play, irmãozinho: 



"Eu andei errado", era o pensamento que tomou a cabeça de Carlos. E ele nem estava sendo metafórico, ou pessimista, ou coisa do tipo, embora volta e meia questionasse seu estilo de vida e suas escolhas. Carlos literalmente andava errada. Clinicamente diagnosticado. "Eu andei errado a minha vida toda". 

-- Você está andando errado -- foram estas as palavras do médico. 

Carlos bem que desconfiava que havia alguma coisa errada com ele, afora o vazio e o desconforto existencial com a própria figura e uma tristeza generalizada. E justamente naquela manhã em que estava determinado a mudar (o cabelo, a roupa ou pelo menos a música que escutava no ônibus ao caminho do trabalho), ele notou um estranho buraco no calcanhar do pé esquerdo do seu sapato. E não era apenas neste sapato. Uma rápida investigação em seu guarda-roupa mostrou que todos os pares esquerdo dos tênis e sapatos de Carlos tinham a mesma marca. Aparentemente, Carlos andava errado. Resolveu no mesmo dia procurar um médico. 

"Eu andei errado", era ao mesmo tempo a resposta para o mistério e o início de novas inquietações. Até então andar sempre pareceu uma coisa que Carlos fazia sem maiores problemas. Na verdade, de todas as coisas da vida, andar era uma das poucas que ele tinha alguma segurança em não decepcionar. Porém, agora, veja você, ele descobriu que anda errado. Fracassara numa das tarefas mais básicas para todo ser humano. Nesse exato momento em que você lê esse texto, provavelmente alguma mãe orgulhosa em algum lugar do mundo está contente porque seu bebê de onze meses aprendeu a andar. 

No entanto, a Seinsvertändnis trabalha de formas misteriosas. Durante o assombro ali mesmo diante do médico, não demorou muito para que Carlos começasse a ver as coisas por um novo viés e passasse a ter uma visão otimista do seu fracasso fundamental -- e ele sabia muito bem colocar seus próprios erros na conta dos outros. Tomou conta de seu espírito a ideia de que foi justamente isso o que ele buscou a vida toda. 

"Ora, se eu fracasso numa tarefa tão simples quanto andar, então ninguém deve esperar nada de mim e qualquer pequena conquista já uma grande realização". É com esse pensamento que Carlos pretendia relativizar todos os seus fracassos. Demorou nove anos para se formar em administração numa particular? "Cara, eu nem sei andar direito, ter entrado numa faculdade já foi uma grande coisa". Nunca conseguiu ter um relacionamento duradouro com uma mulher? "Bicho, nóis não consegue nem ir até a esquina sem cagar tudo". Reprova em todas as provas ou concursos que presta? "Nem andar direito eu sei". Está cada dia mais sozinho e infeliz? "Nada mal para um cara que nem andar direito sabe". 

Foi assim que a vaidade a necessidade de viver para impressionar aos outros deu lugar a um niilismo e uma liberdade que ele nunca havia experimentado antes: a tranquilidade e a paz de se saber que não havia mais nada para se perder. 

E Carlos saiu do consultório médico. Andando errado. E sorrindo.