sábado, 8 de novembro de 2014

R R

Richard Rorty, o filósofo americano, era um peixe. Um peixe cínico, um peixinho alucinado perdido em um grande aquário cheio de água suja dos dias e das noites. Este aquário é a filosofia. Rorty representava todo o nojo e cinismo que se podia sentir pela filosofia acadêmica norte-americana. Rorty era um filósofo punk, o últimos dos filósofos anárquicos de uma geração totalmente dominada pela onda da filosofia analítica. Rorty, como filósofo, ia contra as boas maneiras na mesa e na cama da academia. O filósofo Rorty era partidário de jogar bola dentro de casa, irresponsável, e de cuspir no chão em frente aos poderosos. Uma de suas principais influências teóricas era Derrida, o filósofo indecente da França, que também zombou do jogo acadêmico norte-americano. Derrida e Rorty: duas moscas em meio ao cenário desumano da filosofia contemporânea. Ambos saíram do útero da anarquia. Ambos desgraçados. Heróis malditos de um cenário filosófico cada dia mais sem graça. 

Rorty representava a última possibilidade de fragmentação de uma geração de filósofos que muito cedo deixou de ser jovem e se tornou analítica. Essa também é a nossa geração, uma geração sem identidade que desde a graduação é educada para não ser obscura, para seguir a regra da clareza, da produção de proposições, da argumentação. Uma geração de estudantes que hoje tem vinte, trinta ou quarenta anos, que não se dedica mais a irresponsabilidade, que apoia a bandeira de seus pais e de seus professores, a bandeira da responsabilidade teórica, a bandeira da clareza contra a obscuridade, a bandeira da clean image, do não ao cigarro, do sim à cultura da mente e do corpo são, dos pensamentos claros e transparentes, dos pensamentos razoáveis e argumentativos, das boas razões e da boa conduta. 

Talvez sem sabê-lo Richard Rorty tinha um pouco de Walter Benjamin, um pouco de surrealismo, um pouco messianismo. Talvez sem sabê-lo ele também oferecia um pouco de ruptura ao mundo pequeno da filosofia institucionalizada. O que se deve ter claro era que para Richard Rorty, dentro desse mundinho da filosofia dominado pelos analíticos, era melhor atravessa-lo através de ofensas, através de um riso debochado, através de um pragmatismo irônico, através da literalização da filosofia, através de uma anti-epistemologia, através de uma seringa com heroína injetada nas veias da tradição filosófica, através de um discurso filosófico que funcionava como uma guitarra elétrica.

Necessitamos de mais filósofos como Richard Rorty. Filósofos que se pareçam com aquelas mulheres que correm peladas pelas ruas de Porto Alegre, filósofos que despejam venenos nas águas transparentes da filosofia analítica, filósofos que nos fazem escutar um pouco de rock no nosso saturado ar filosófico, filósofos que nos fazem ver mais aves no céu, filósofos nos fazem dar mais beijos nos parques. Necessitamos de filósofos irresponsáveis, que façam chover vodca do céu escuro da filosofia.

Não queremos mais discursos transparentes, não queremos mais argumentos e apontamento de falácias. Não mais. Queremos a chuva de vodca rortyana, uma chuva contaminada pela ironia, contaminada pela lua, contaminada pela irresponsabilidade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário