quinta-feira, 25 de abril de 2019

escuro

um bar qualquer da cb. noite. todo o lugar sem luz. escuro. a moça que atende chega e acende o fogo de uma vela. traz mais uma cerveja. a vela apaga. ele dá dois goles na bebida. deixa tudo como está. noite fria. rua vazia. alguns passos. no escuro da cidade cada um dorme? alguém não dorme, ele pensa. 

ele sai. caminha, casas pequenas, ruas pequenas, becos. ele vai e atravessa essa rua sempre cheia de gente e hoje tão deserta, tão deserta. na joão alfredo se tem luz. mais um pouco e tudo será movimentado. como se um alarme chamasse toda a gente para o mesmo lugar. há um alarme. sim. dentro da cabeça. que não para. que pensa: estou quase chegando. ergue os olhos do chão. busca lugares iluminados. busca qualquer coisa que não seja escuro. qualquer coisa para não se seguir andando. qualquer lugar que não seja sozinho. 

ele vai e passa por um ponto de ônibus. um homem espera. e depois mais alguém. e outro alguém. bastaria que um acendesse o cigarro e ônibus viria. todo mundo sabe disso. sempre que alguém acende um cigarro esperando ônibus, ele acaba chegando. e tu desperdiça um cigarro. então alguém do pequeno grupo se rende. a chama brilha perdida. os faróis do ônibus já aparecem ao longe da rua. é sempre assim. alguém comenta. 

ele imagina as pessoas subindo e se sentando. alguém fica em pé. alguém sempre fica em pé. alguém conversa com o motorista. ele diz sim com um aceno curto de cabeça. ele quer dizer sim sem que possam confirmar que ele disse sim. mais adiante alguém irá subir e começar a ladainha de sempre: boa noite eu poderia estar matando poderia estar roubando, uma moeda pelo menos, pedir não é vergonha. 

ele passa pelo ponto de ônibus. mais duas mulheres chegam. mãe e filha, talvez. ele segue andando. é parado por uma mulher no escuro. desculpa te assustar, to precisando de ajuda porque tem um filho meu que ta preso. faz dois anos. ele errou e ta pagando. ele diz que não tem moedas e tem pressa. começa a caminhar mais rápido. o coração tão pesado de outras coisas, por assim dizer. cada um se ocupa com seus escuros. no mundo. o mundo sem solução. 

finalmente um pouco de luz. parece que todo mundo resolveu se concentrar num ponto. este ponto. o ponto em que ele está. justo este. essa existência que grita. grita. e por dentro esmaga tudo. mesmo vivo. o movimento aumenta. várias gentes que reúnem esse pouco, esse quase nada. os prédios iluminados agora existem. ele não olha. ele que vê tanta coisa apenas anda. mais um ponto de ônibus. mais alguém fumando. a rua já está totalmente clara. ele caminha caminha caminha. por fim o prédio. o portão grande e cinza. do lado de dentro todos os outros. os outros. a vida que somos pulsa numa cozinha num quarto numa sala. antes de entrar ele pensa: será que dá próxima vez ela vai querer me ver? 

terça-feira, 9 de abril de 2019

estar pensando nela
me faz deixar de me sentir um qualquer e ser
antigo
antigo só como algumas pedras
algumas árvores
e um e outro livro
conseguem ser.