terça-feira, 27 de novembro de 2018

uma cidade sem poesia.

é estranho, depois de algum tempo, voltar a viver na cidade que tu nasceu e cresceu.
nunca é familiar como se imagina.
tem dias que palmeira parece dura e indiferente feito concreto.
que a rua é só um conjunto organizado e plano de pedras.
que um bairro é só um bairro, e não uma lembrança do lugar em que a gente cresceu.
que a chuva nunca vem e não existe cheiro de terra molhada que possa trazer, como em proust, de volta a infância no quintal da primeira casa.
tem dias que a comida é sem graça e a bebida, a única companhia.
acordar é cansativo e dormir não é uma saída.
tem dias que todas as casas parecem vazias, e a gente se irrita por não saber dizer o que a linguagem, sozinha, diria.
em dias assim, sem vida, a cabeça está dormente e o olhar não fixa: desliza sobre as coisas sem alegria, seco, indiferente, morto.
e em dias assim, a gente só quer hibernar como um urso, submergir como uma baleia, encolher o corpo até caber de volta no casulo, e lá dentro ficar, até quase não ser.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

débora

uma paixão ainda não realizada produz uma sensação de flutuação, de embriaguez ligeira, de nostalgia pelo que pode acontecer. porém, quando menos se espera, chega o real, chefe supremo das forças militares de tudo o que acontece, e abate a tiros, ou simplesmente com uma sacudidinha, o voo do bobo apaixonado. e a paixão que iria acontecer nem foi e já passou. já passou.