meu medo é que a gente deixe o tempo passar. que passe dias, semanas, meses, um ano, sei lá quantos anos podemos deixar passar. meu medo é que a gente mude. quer dizer, eu sei que a gente vai mudar, o problema não é esse. meu temor é o tempo passar indefinidamente até que eu não saiba mais nada da tua vida, até que você também não tenha para saber da minha, até sermos pessoas diferentes, separadas por inúmeras mudanças, centenas e centenas de minutos de distância, que nos impedirá, sempre, de voltarmos a ser as pessoas que um dia fomos, ou que queríamos ser, ou que pensávamos que um dia poderíamos ser.
nós não vamos nos esbarrar por ai como nos filmes. eu não terei a chance de ver sua felicidade à distância, ou de torcer contra o seu novo romance, ou de imaginar se ainda existe uma chance. isso não é uma comédia romântica, e não teremos direito à um final feliz. o mundo abaixo de nós foi desenhado para impedir o nosso encontro. nosso primeiro esbarrão foi uma falha ontológica. os outros que se seguiram foram apenas teimosia. as cidades foram planejadas pensando na nossa separação e, daqui a pouco, após tantos pontinhos riscados no meu mapa, após eu perder tantas páginas e dias que se passaram, não seremos mas aquelas pessoas que esperávamos nos transformar. teremos novos pensamentos, com opiniões diferentes sobre literatura, sobre as mudanças políticas, sobre os personagens de nossos filmes preferidos, estaremos em universos paralelos, separados por doze ou dezessete estações rodoviárias que nunca se cruzam.